André Bradford à entrada do Parlamento Europeu em Bruxelas
Foto: Rui Soares
Pelos acasos que a vida vai
compondo, encontramo-nos pela primeira vez em trabalho exactamente na cidade de
Bruxelas em 2009, ou perto disso. Nesta cidade, o André Bradford, a certo
passo, disse ao grupo que o acompanhava, eu incluído, “gosto de aqui estar”.
A vida deu voltas, revoltas e
aqui nos voltamos a encontrar muitos anos mais tarde. Mais precisamente no dia
3 de abril de 2019. O André estava em campanha eleitoral para o Parlamento Europeu
e veio à cidade de Bruxelas para participar num debate sobre agricultura
dinamizado pela CAP.
De facto, foram muito poucas as
vezes que estivemos juntos até que o André chegou novamente à cidade de
Bruxelas e em nenhuma tínhamos falado mais do que alguns segundos. Quando nos
encontramos pela primeira vez, nesta segunda vaga, falamos mais longamente de
coisas agradáveis e outras menos. Quero crer que é da honestidade clara e
escorreita que nascem as boas amizades. Foi o que aconteceu naquele dia.
Impressionou-me que o André não
se tenha sentado na sombra da sua inevitável eleição (dada a posição
confortável que tinha na lista do Partido Socialista) e tenha ido à conquista
dos votos, com ações de campanha todos os dias, “excepto ao domingo”,
disse-me ele. “Tento reservar, tanto quanto possível, o domingo para a
família”. Mais um aspecto que lhe desconhecia e que muito me agradou. A
preocupação com o conforto da família. Esta atenção foi uma constante nas
mensagens que trocamos.
Não foi a ausência de adversário
que o demoveu. Qual D. Quixote, foi lembrando os ausentes que eles também
contavam e que queria trabalhar com todos depois de eleito. Um dos seus
primeiros actos depois de eleito foi precisamente, e como tinha prometido,
colocar-se à disposição dos adversários ausentes para com eles trabalhar. Uma
acção de enorme dignidade.
Na minha lista de amigos, o André
foi o último a entrar. Depois daquele três de abril fomos trocando mensagens,
muitas vezes através da extraordinária equipa de campanha que montou em volta
de si, para que, quando chegasse a Bruxelas, já eleito, pudesse adaptar-se tão
rapidamente quanto possível.
Também me impressionou, e não
menos, que, depois de eleito, tenha redobrado o empenho. Ainda antes de ter
tomado posse, o André já vinha a Bruxelas regularmente, negociando as
responsabilidades que queria assumir em defesa dos açorianos. Com argúcia,
manteve o Gabinete de Bruxelas do seu antecessor, o eurodeputado Ricardo Serrão
Santos. Com isso, com algum suor e com muita competência da sua parte ficou
imediatamente em condições de entrar em funções ao mais alto nível, obtendo resultados
para os seus Açores. Foi neste período que o André me disse, nesta fase já de
viva voz, “não me importo nada de ser um desalinhado se isso for a melhor forma
de servir os açorianos”. Nunca me deixou qualquer dúvida o laço de aço que
o unia ao povo dos Açores.
Os resultados apareceram logo que
iniciou as funções como eurodeputado sendo efectivo nas comissões de Agricultura
e das Pescas e na delegação das relações com os Estados Unidos da América e
suplente na Comissão de Desenvolvimento Regional e na Delegação das Relações
com o Canadá. Percebi que os seus colegas eurodeputados reservaram, enquanto
puderam, a coordenação dos socialistas nas Pescas para ele.
Já não nos voltamos a encontrar. Ainda
trocamos umas mensagens, referindo futilidades, e a seguir o André iniciou a
sua última luta. Nesse período, no Parlamento Europeu, fui abordado por
pessoas, daquelas pessoas que são raposas velhas lá no sítio, que sabem muito e
que são agudamente exigentes. Disseram-me elas que contavam com o regresso do
André porque “é daqueles que se preocupa e que quer fazer. Não há por aqui
muitos…” E é isto. Nem uma semana de trabalho como eurodeputado e já ele se
destacava.
Impressiona-me muito a partida do
André. Não há justiça na morte, mas esta tem um particular sabor a fel. O André
era uma pessoa ambiciosa na vontade de fazer bem. Os Açores ficam sem o seu
único representante no Parlamento Europeu e o mundo ficou mais pobre.
Anoitece na minh’alma e sei a
razão. Hoje partiu o meu amigo André Bradford.
Bruxelas, 18 de julho de 2019