segunda-feira, 1 de julho de 2019

Crónicas de Bruxelas: 47 - Gabinete do Plano de Portugal


Transportes públicos gratuitos em Bruxelas?
Foto: F Cardigos

Estamos entre períodos eleitorais. A seguir às recentes eleições para o Parlamento Europeu, seguir-se-ão depois do Verão, as eleições legislativas nacionais e as eleições regionais na Madeira. Nestes períodos há sempre tendência a exagerar nos feitos e, principalmente, nas promessas.
Como resultado desta dialética, as pessoas perdem-se nos cantos de inverdades, na folia de promessas razoavelmente irresponsáveis, exageradas ou mesmo impraticáveis, desiludem-se, desmotivam-se e muitas optam por não votar ou votam em soluções radicais. Veja-se o Brexit…
Para evitar isso, a Bélgica criou o Gabinete Federal do Plano (GFP). Este é um órgão independente e de interesse público. Realiza estudos e previsões sobre questões de política económica, social e ambiental e sua integração numa perspetiva de desenvolvimento sustentável. Qualquer medida proposta por um partido político antes das eleições tem de passar pelo escrutínio do GFP. Caso o GFP chumbe a medida proposta, esta não pode ser usada pelos candidatos a cargos públicos durante as eleições. Com este Gabinete, a Bélgica limitou muito a ação dos partidos extremistas nas suas promessas de coisas impossíveis e elevou o grau de responsabilidade. Como resultado secundário, não podendo digladiar-se abertamente na penumbra da dialética enganadora, os partidos passaram a ser mais pragmáticos na mensagem. Aqui, claramente, a bandeira do pilar social é do PS/SP.a, do ambiente é dos Ecolo/Groen, da independência do norte da Bélgica é do NVA, a da intolerância é do VB, a da família é do CDH/CD&V, o liberalismo é do MR/OpenVLD, etc.
Portanto, aqui na Bélgica, quando uma pessoa vai votar, não tem dúvidas sobre qual das propostas ideológicas é prioritária na sua opção. Questões como um novo aeroporto ou um novo hospital passam a secundárias porque o Gabinete escortina previamente se são adequadas e sustentáveis. Obviamente, se são adequadas para o desenvolvimento sustentável da Bélgica, quem será contra? Não faria sentido… Nesse caso, a luta de prioridades torna-se relevante (o aeroporto ou o hospital?) e, como dito atrás, a luta de ideias passa a central.
Por exemplo, na preparação das eleições regionais de Bruxelas, um dos partidos políticos considerou que ter transportes públicos gratuitos seria a melhor opção em termos ambientais e sociais. Com receio de um chumbo do GFP, por potencialmente não ser sustentável do ponto de vista económico, esta força partidária decidiu estudar detalhadamente a proposta e o seu impacto nas contas públicas. Concluíram que não era economicamente sustentável e inibiram o uso da proposta por parte dos seus candidatos. Optaram por uma versão mais suave, que inclui transportes públicos gratuitos apenas para os menores de idade e reformados e isso, sim, passou no crivo do GFP. Portanto, haver transportes públicos gratuitos e para todos, que me pareceria à partida uma excelente ideia, não pode ser um argumento utilizável na campanha eleitoral.
A existência do GFP empurra as forças partidárias para um grau superior de responsabilidade que me parece muito sensato. Será uma estratégia a seguir em Portugal?


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