sexta-feira, 9 de agosto de 2019

Crónicas de Bruxelas: 50 - E a Silly Season que não chega…


Edifício Berlaymont da Comissão Europeia com flores brancas em primeiro plano.
Foto: F Cardigos

Desde que cheguei para trabalhar em Bruxelas, há mais de quatro anos, que aproveito a falta de movimentação dos meses de julho e agosto para arrumar a casa e partir de férias. Este ano não foi assim.
Já se sabia que, sendo ano de eleições europeias, as coisas poderiam ser diferentes dos anos anteriores. No entanto, eu vivia num sonho lindo em que as eleições europeias ditariam o final abrupto dos trabalhos. Azarei…
De acordo com o meu imaginário, um ou dois grupos políticos seriam os vencedores claros das eleições e isso precipitaria a normal renovação da Comissão Europeia. Para isso acontecer, seria respeitado o sistema informal da União Europeia, nomeando o Spitzenkandidat mais votado como Presidente da Comissão e as restantes posições de topo na Comissão e Conselho seriam preenchidas de acordo com os inúmeros interesses demonstrados pelos cidadãos europeus e seus líderes: prioridades ideológicas, equilíbrio de género, distribuição geográfica, entre outras. Errado.
Quiseram os cidadãos da União Europeia que não houvesse uma maioria de um ou dois grupos políticos e a maioria resultante da união dos três maiores grupos políticos não foi minimamente estável. Tomaram maior expressão as lutas internas dentro do Partido Popular Europeu (PPE), a incompatibilidade de alguns dirigentes europeus em relação aos Spitzenkandidat e a força intolerante do grupo de Visigrado (aliança entre os primeiros ministros da Hungria, Polónia, República Checa e Eslováquia). As lutas dentro dos grupos políticos são normais e saudáveis, mas as posições do grupo de Visigrado são assustadoramente populistas e colocam em risco o Estado de Direito. Um caso a seguir com atenção, até porque, pela positiva, os dirigentes checos e eslovacos podem vir a fazer diferença para melhor no grupo de Visigrado, digo eu com otimismo. O certo é que, para aquilo que me interessava egoisticamente, tudo isto atrasou o processo de nomeações e as minhas férias pareceram-me mais distantes…
Dentro do Parlamento Europeu, para além do Presidente do Parlamento, haveria que eleger os líderes dos grupos políticos e os presidentes das diferentes comissões parlamentares. No meu sonho lindo, isso seria calmo, escorreito e rápido. Totalmente enganado!
As eleições do Presidente do Parlamento até que foram rápidas. O Presidente Sassoli não foi eleito à primeira volta, mas rapidamente atingiu a maioria necessária, apesar do finca pé dos Verdes e das muitas dissidências nos membros do PPE, Socialistas e Democratas (S&D) e Renovar Europa (RE). Ninguém sabe ao certo, dado o voto ser secreto, mas a simples soma dos votos potenciais e os votos registados aponta para dissidências significativas. Também o processo para a votação dos vice-presidentes do Parlamento decorreu normalmente. Portugal obteve mesmo a segunda vice-presidência do Parlamento através do eurodeputado Pedro Silva Pereira.
O atraso veio das comissões parlamentares. Primeiro, as votações não decorreram na data esperada, tendo sido adiadas por dias que me pareceram infindos.
Há um acordo não verbalizado na União Europeia que impede os eurodeputados extremistas de chegarem à presidência ou vice-presidências das comissões parlamentares. Ninguém racional quer voltar aos tempos da União Soviética totalitarista ou da Alemanha nazi e, apesar do número de votantes nestes partidos irracionais ter aumentado, mantém-se no Parlamento Europeu o cordão invisível que bloqueia a tentativa destes partidos ocuparem cargos de responsabilidade parlamentar. Com pouquíssimas exceções esta decisão é respeitada de forma muito eficiente. No entanto…
Atrasando as minhas merecidas férias (digo eu…), os Eurodeputados de extrema-direita resolveram candidatar-se a inúmeras posições, o que limitou as eleições por aclamação, que são muito mais rápidas. Ou seja, em vez de haver apenas uma reunião para a nomeação dos vice-presidentes, houve duas. E não acabava…
Uma das exceções a este cordão invisível que referia atrás, foi protagonizada pelo já Eurodeputado veterano Younous Omarjee. Este eurodeputado, já várias vezes eleito membro do Parlamento Europeu pela GUE (grupo de extrema-esquerda), conseguiu quebrar o cordão e ser eleito para Presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional, uma Comissão que interessa sempre muito aos Açores e onde o saudoso André Bradford seria membro suplente.
Acontece que o Eurodeputado Omarjee fez um extraordinário mandato anterior, sendo um relator tolerante, inclusivo, construtivo e alinhado com os valores da União Europeia em diversos documentos de iniciativa e legislativos. Ou seja, ajudando a construir a União, o Eurodeputado distanciou-se das linhas mestras do seu próprio grupo político e passou a ser aceite e respeitado por todo o plenário.
Honestamente, com as posições que toma, ainda não entendi o que o leva a manter-se na GUE. Eventualmente, a própria GUE estará a mudar e, um destes dias, deixarão de ser eurocéticos, contra o euro e a NATO… Outro sonho lindo… Talvez isto seja verdade, porque houve outros eurodeputados da GUE a serem eleitos para posições de destaque, incluindo um português!
Portugal obteve a primeira vice-presidência da Comissão de Agricultura (Francisco Guerreiro, Verdes), a terceira vice-presidência da Comissão dos Orçamentos (Margarida Marques, S&D), a quarta vice-presidência da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (José Gusmão, GUE), a quarta vice-presidência da Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores (Maria Manuel Leitão Marques, S&D) e a quinta vice-presidência da Comissão das Pescas (Cláudia Monteiro de Aguiar, PPE).
Tudo bons resultados e, finalmente, acabou! Todos eleitos, todos felizes, ou pelos menos as maiorias, e fiquei pronto para voltar aos Açores. Venham as férias e a silly season. Já tinha saudades!

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