Desde que cheguei para trabalhar em Bruxelas, há mais de
quatro anos, que aproveito a falta de movimentação dos meses de julho e agosto
para arrumar a casa e partir de férias. Este ano não foi assim.
Já se sabia que, sendo ano de eleições europeias, as coisas
poderiam ser diferentes dos anos anteriores. No entanto, eu vivia num sonho
lindo em que as eleições europeias ditariam o final abrupto dos trabalhos. Azarei…
De acordo com o meu imaginário, um ou dois grupos políticos
seriam os vencedores claros das eleições e isso precipitaria a normal renovação
da Comissão Europeia. Para isso acontecer, seria respeitado o sistema informal
da União Europeia, nomeando o Spitzenkandidat
mais votado como Presidente da Comissão e as restantes posições de topo na
Comissão e Conselho seriam preenchidas de acordo com os inúmeros interesses
demonstrados pelos cidadãos europeus e seus líderes: prioridades ideológicas, equilíbrio
de género, distribuição geográfica, entre outras. Errado.
Quiseram os cidadãos da União Europeia que não houvesse uma
maioria de um ou dois grupos políticos e a maioria resultante da união dos três
maiores grupos políticos não foi minimamente estável. Tomaram maior expressão
as lutas internas dentro do Partido Popular Europeu (PPE), a incompatibilidade
de alguns dirigentes europeus em relação aos Spitzenkandidat e a força intolerante do grupo de Visigrado
(aliança entre os primeiros ministros da Hungria, Polónia, República Checa e
Eslováquia). As lutas dentro dos grupos políticos são normais e saudáveis, mas
as posições do grupo de Visigrado são assustadoramente populistas e colocam em
risco o Estado de Direito. Um caso a seguir com atenção, até porque, pela
positiva, os dirigentes checos e eslovacos podem vir a fazer diferença para
melhor no grupo de Visigrado, digo eu com otimismo. O certo é que, para aquilo
que me interessava egoisticamente, tudo isto atrasou o processo de nomeações e
as minhas férias pareceram-me mais distantes…
Dentro do Parlamento Europeu, para além do Presidente do
Parlamento, haveria que eleger os líderes dos grupos políticos e os presidentes
das diferentes comissões parlamentares. No meu sonho lindo, isso seria calmo,
escorreito e rápido. Totalmente enganado!
As eleições do Presidente do Parlamento até que foram
rápidas. O Presidente Sassoli não foi eleito à primeira volta, mas rapidamente
atingiu a maioria necessária, apesar do finca pé dos Verdes e das muitas
dissidências nos membros do PPE, Socialistas e Democratas (S&D) e Renovar
Europa (RE). Ninguém sabe ao certo, dado o voto ser secreto, mas a simples soma
dos votos potenciais e os votos registados aponta para dissidências
significativas. Também o processo para a votação dos vice-presidentes do
Parlamento decorreu normalmente. Portugal obteve mesmo a segunda
vice-presidência do Parlamento através do eurodeputado Pedro Silva Pereira.
O atraso veio das comissões parlamentares. Primeiro, as
votações não decorreram na data esperada, tendo sido adiadas por dias que me
pareceram infindos.
Há um acordo não verbalizado na União Europeia que impede os
eurodeputados extremistas de chegarem à presidência ou vice-presidências das
comissões parlamentares. Ninguém racional quer voltar aos tempos da União Soviética
totalitarista ou da Alemanha nazi e, apesar do número de votantes nestes
partidos irracionais ter aumentado, mantém-se no Parlamento Europeu o cordão
invisível que bloqueia a tentativa destes partidos ocuparem cargos de
responsabilidade parlamentar. Com pouquíssimas exceções esta decisão é
respeitada de forma muito eficiente. No entanto…
Atrasando as minhas merecidas férias (digo eu…), os
Eurodeputados de extrema-direita resolveram candidatar-se a inúmeras posições,
o que limitou as eleições por aclamação, que são muito mais rápidas. Ou seja,
em vez de haver apenas uma reunião para a nomeação dos vice-presidentes, houve
duas. E não acabava…
Uma das exceções a este cordão invisível que referia atrás,
foi protagonizada pelo já Eurodeputado veterano Younous Omarjee. Este
eurodeputado, já várias vezes eleito membro do Parlamento Europeu pela GUE
(grupo de extrema-esquerda), conseguiu quebrar o cordão e ser eleito para
Presidente da Comissão de Desenvolvimento Regional, uma Comissão que interessa
sempre muito aos Açores e onde o saudoso André Bradford seria membro suplente.
Acontece que o Eurodeputado Omarjee fez um extraordinário
mandato anterior, sendo um relator tolerante, inclusivo, construtivo e alinhado
com os valores da União Europeia em diversos documentos de iniciativa e
legislativos. Ou seja, ajudando a construir a União, o Eurodeputado
distanciou-se das linhas mestras do seu próprio grupo político e passou a ser
aceite e respeitado por todo o plenário.
Honestamente, com as posições que toma, ainda não entendi o
que o leva a manter-se na GUE. Eventualmente, a própria GUE estará a mudar e,
um destes dias, deixarão de ser eurocéticos, contra o euro e a NATO… Outro
sonho lindo… Talvez isto seja verdade, porque houve outros eurodeputados da GUE
a serem eleitos para posições de destaque, incluindo um português!
Portugal obteve a primeira vice-presidência da Comissão de
Agricultura (Francisco Guerreiro, Verdes), a terceira vice-presidência da
Comissão dos Orçamentos (Margarida Marques, S&D), a quarta vice-presidência
da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (José Gusmão, GUE), a quarta
vice-presidência da Comissão do Mercado Interno e da Proteção dos Consumidores (Maria
Manuel Leitão Marques, S&D) e a quinta vice-presidência da Comissão das
Pescas (Cláudia Monteiro de Aguiar, PPE).
Tudo bons resultados e, finalmente, acabou! Todos eleitos,
todos felizes, ou pelos menos as maiorias, e fiquei pronto para voltar aos
Açores. Venham as férias e a silly season.
Já tinha saudades!
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