É um enorme privilégio viver numa
Região em que as prioridades não passam pelos combates à fome, ao terrorismo, ao
banditismo ou às epidemias. Felizmente, estamos longe desses flagelos avassaladores
e podemos concentrar-nos noutros problemas. Como seres humanos que somos, esses
problemas secundários parecem-nos esmagadores. Não são.
Entre esses problemas secundários
encontra-se a flora invasora. Ou seja, as espécies de plantas que não pertencem
ao nosso património natural e que se propagam pelas nossas paisagens. Por
razões diferentes, a conteira, o incenso, a hortênsia e a criptoméria, apenas
para referir algumas, dominam a paisagem. O número de espécies de flora
introduzidas desde o início do povoamento humano dos Açores é mesmo muito
superior ao número das que aqui existiam anteriormente. Se formos puristas,
como eu sou, não nos sentimos confortáveis com esta proliferação de
alienígenas.
Por diversas razões, havia no
momento do povoamento um grande laxismo ecológico. Ou seja, no nosso território
existiam poucas espécies. Segundo estimativas, eram cerca de 400 espécies de
flora e a essas damos-lhes o nome de “naturais nos Açores”. Dentro desse grupo,
há um conjunto muitíssimo valioso que se denomina “flora endémica dos Açores”.
Este grupo de espécies, as endémicas dos Açores, é valioso porque apenas
existem no nosso arquipélago. Em nenhum outro lado é possível encontrar, na
natureza, as espécies endémicas dos Açores. Ou seja, se alguém quiser ver
flores como a Veronica dabney (não
tem nome comum) ou a vidália na paisagem natural terá que se deslocar até ao
nosso arquipélago. Muito antes de ser dos humanos, esta já era a terra delas.
Acontece que, neste momento, já
existem mais de mil espécies de plantas nas paisagens dos Açores. Entre as que
foram introduzidas para a produção ou auxílio à produção agrícola, as que foram
introduzidas por razões estéticas e as que foram introduzidas por engano já há
mais espécies introduzidas que naturais nos Açores. Olhando aleatoriamente para
a paisagem, temos que fazer um esforço para encontrar espécies de plantas
naturais nos Açores.
Há diferentes razões para o
laxismo ecológico inicial dos Açores. A juventude das ilhas, a elevada
distância ao continente e o seu tamanho reduzido são alguns dos argumentos
comummente apontados pelos cientistas para o reduzido número de espécies
naturais. Eu acrescento os eventos catastróficos, como os vulcões. Parece-me
claro que se houver um vulcão como o dos Capelinhos, mas de maiores dimensões
(e eles existiram nos Açores), facilmente as ilhas ficariam cobertas de cinzas
e praticamente estéreis durante algum tempo. Quantas vezes isso aconteceu no
passado? Com que dimensão? Com que consequências? Não sei. O resultado desta
conjunção de razões é que, indiscutivelmente, temos poucas espécies de flora
natural nos Açores. Compete-nos salvaguardar esta flora, como se tratasse da
resistência perante um exército florístico invasor.
Por passar longos períodos fora
dos Açores, posso verificar facilmente a evolução da paisagem como se tratassem
de saltos no tempo e, há que admitir, a batalha está razoavelmente perdida. Não
é possível contrariar totalmente o desenrolar dos acontecimentos dada a magnitude
da invasão. Uma grande parte das espécies invasoras dos Açores vieram para
ficar.
O que estas plantas não sabem é
que a flora natural também tem os seus “truques na manga” e, com o tempo,
saberá contrariar as invasoras, reduzindo-as para números admissíveis. Esta é a
sequência espectável dos acontecimentos.
Apenas uma coisa poderá correr
mal… Se deixarmos que as espécies naturais se extingam, então já nada haverá a
fazer. Perante a morte, não haverá forma de as ressuscitar.
Ou seja, aquilo que está ao nosso
alcance, e é mesmo essencial, é manter ou criar grandes e robustas bolsas de
espécies naturais dos Açores, com particular ênfase para as espécies endémicas,
que possam vir a contrariar as invasoras. Estas “bolsas de resistência” são uma
responsabilidade de todos os açorianos e, obviamente, com particular relevância
para a Direção Regional do Ambiente do Governo dos Açores (DRA). É com esta
perspetiva que a Comissão Europeia tem vindo a financiar os projetos propostos
pela DRA com valores muito elevados. São os casos do IP e do Vidália, projetos
financiados pelo programa LIFE da União Europeia.
Hoje, olho para a Poça da Ribeira
do Ferreiro (ou Poço da Alagoínha ou Lagoa das Patas, como preferirem), um dos
locais mais belos à face da Terra e que fica na zona oeste da ilha das Flores,
e sei que, daqui a uns anos será bem diferente e para melhor. Os incensos, as
criptomérias e as conteiras que dominam o trilho de acesso serão parcialmente
substituídos por floresta laurissilva. Esta é a sequência natural, basta
esperar e criar as tais bolsas de resistência. A vitória é nossa, apenas não
sabemos quando…
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