Londres
Foto: F Cardigos
Naturalmente, tenho seguido com
atenção o processo de saída do Reino Unido da União Europeia e é sobre isto que
irei agora escrever. Não escreverei, por enquanto, na perspetiva europeia. Há muito
para dizer também sobre esse prisma, mas não é este o artigo. Aqui, agora, irei
refletir sobre o que aconteceu para que os britânicos tenham optado por sair do
maior mercado do mundo.
Muitos cidadãos ingleses (distingo-os
propositadamente dos restantes britânicos) sempre foram críticos relativamente
à União Europeia. A queda do Império ainda não está totalmente digerida, assim
como a abdicação de parte da soberania, consequente à adesão à União Europeia
há 47 anos. Com o desenrolar dos anos, foi crescendo uma sensação de honra e
dignidade perdidas. Tive a oportunidade de falar com diversos reformados
britânicos e, muitas vezes, relativamente a este assunto, ouvi expressões como
“estão a tirar-nos o orgulho”, “empurraram-nos demasiado” e “queremos recuperar o controlo”. Não era
apenas na publicidade pró-Brexit que se ouvia isto.
Por outro lado, desde há muitos anos
que foram sendo publicadas notícias falsas ou manipuladas um pouco por toda a
Europa relativamente à ação da Comissão Europeia. No entanto, no Reino Unido,
particularmente em Inglaterra, este facto assumiu contornos ainda mais excessivos
e foi ajudando a moldar uma opinião pública crítica. Nos meses anteriores ao
referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, a ação de
empresas como a Cambridge Analytica também, aparentemente, ajudaram a manipular
a opinião das comunidades inglesas do interior. Espalharam-se pelas redes
sociais mensagens não justificáveis sobre os efeitos dos migrantes e refugiados,
informações sobre a política agrícola comum que não correspondiam à realidade e
foram divulgadas formas distorcidas de avaliar o investimento financeiro do
Reino Unido na União Europeia.
Outro dos pontos importantes para a
decisão do Reino Unido e, possivelmente, o mais legítimo de todos, está
relacionado com o liberalismo. O Reino Unido é um Estado liberal, ou seja, tem
pouca regulamentação e isso contrasta com a sistemática aprovação e publicação de
legislação por parte da União. Em terras de Sua Majestade a Rainha Isabel II, a
iniciativa privada poderá, com a saída da União Europeia, voltar a desrespeitar
regras ambientais e sociais. Isto faz com que seja mais fácil investir e obter
resultados rapidamente, mas, terá como componentes negativos a impossibilidade
de exportar, nas mesmas condições favoráveis, para o maior mercado do mundo sem
tarifas de exportação e, claro está, provocar a infelicidade dos trabalhadores
e dos ambientalistas britânicos, cada grupo pela sua razão. Portanto, é
legítimo optar pelo liberalismo extremo a nível industrial e comercial, mas tem
consequências e, de facto, é incompatível com a presença na União Europeia.
Houve também uma inabilidade por
parte do maior partido da oposição britânica em lidar com tudo isto. O seu
líder preferiu distrair-se com questiúnculas e hesitações em vez de se
concentrar no essencial. Nunca houve uma estratégia ou sequer uma mensagem
clara por parte dos trabalhistas em relação à permanência na União Europeia. Ou
seja, este partido nunca se posicionou como o verdadeiro refúgio para os que
queriam manter-se na União.
Por último, responsabilizo também o
sistema eleitoral britânico. Após o referendo houve duas eleições legislativas.
De acordo com o sistema britânico, os deputados são eleitos por circunscrições
uninominais. Ou seja, ao contrário do que acontece em Portugal, é apenas eleito
o deputado que tenha mais votos numa determinada área. Ora o que aconteceu foi
que os partidos a favor do “divórcio” abdicaram de concorrer uns contra os
outros e os críticos relativamente à separação não foram capazes de se
organizar. O resultado foi que, nas últimas eleições, os partidos pró União
Europeia tiveram mais votos, mas muito menos mandatos no Parlamento britânico.
Não posso dizer que é uma perversão da democracia, até porque esta é mais
antiga democracia parlamentar do mundo, mas factos são factos: nas últimas
eleições, a maioria dos britânicos não votou em partidos pró-separação.
Portanto, na minha opinião, estes
foram os cinco vetores que moldaram a saída do Reino Unido. Está feito. Agora
há que olhar para a frente.
Quanto ao futuro próximo, desejo que se
confirme uma de duas possibilidades. Ou o Reino Unido consegue galvanizar a
economia de tal forma que se estabelece como um peso pesado a nível mundial ou
regressa à União Europeia. Se ficar entre uma coisa e outra, triste fim para os
britânicos…
No caminho, talvez a Escócia consiga
obter benefícios que acalmem os seus ímpetos independentistas ou o Reino Unido
divide-se. Mesmo com a resistência da Espanha, penso que a Escócia será
bem-vinda à União Europeia. Veremos…
Tenho pena que o Reino Unido saia da
União Europeia. Ao longo dos anos em que tenho estado a trabalhar em Bruxelas,
tive a oportunidade de conviver com os representantes britânicos no Parlamento Europeu
e, desde que estou no Gabinete dos Açores em Bruxelas, também com os colegas
que aqui representam o País de Gales, a Cidade de Londres (em que um dos responsáveis
é português, curiosamente) e a Escócia.
Foi com a representação escocesa com
que mais lidei. Umas vezes em regime de colaboração e outras em modo de feroz competição,
fui aprendendo a respeitar e admirar estes colegas que, à vez, foram meus
aliados ou rivais. São competentes, competitivos, leais, bem-dispostos,
trabalhadores, sorridentes e uma pronúncia divertida.
Tenho muita pena que, todos eles,
percam o estatuto de Região de Estado-membro. Alegra-me, por outro lado, saber que
todos eles continuarão em Bruxelas e, nalguns casos, com a perspetiva de
reforçar as equipas. Imagine-se o porquê…
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