sexta-feira, 10 de abril de 2020

Crónicas de Bruxelas: 67 - O meu confinamento em Bruxelas

Teletrabalho e videoconferência
Foto: S Paradela

Por ordem das autoridades belgas, estou confinado faz hoje oito dias. Todos os residentes na Bélgica foram “convidados” a permanecer em casa exceto os que desempenham tarefas cruciais em termos médicos e para a gestão presencial do quotidiano: médicos, enfermeiros, bombeiros, profissões relacionadas com a sanidade pública e energia, agricultores, merceeiros, distribuidores de comida, polícias, pescadores, alguns educadores… e poucos outros. A minha profissão não se enquadra nestas tipologias e, portanto, estou confinado em casa.

No entanto, estar “confinado” não significa estar “preso”. Há algumas liberdades e estas foram definidas pelo governo belga. Tenho aproveitado esta pouca liberdade para praticar desporto, dar pequenos passeios em modo circular à volta de casa, ir às lojas autorizadas (supermercado, padaria e farmácia) e praticar alguns pequenos atos de solidariedade social. Nunca pensei que ir às lojas pudesse ser um dos momentos altos do meu dia, mas, atualmente, é.. Triste? Um pouco.
Tento fazer com que o tempo de reclusão seja tão útil quanto possível. Por exemplo, realizei que teletrabalho é trabalho mesmo. Aqui na Bélgica é habitual que os trabalhadores da administração e mesmo de algumas empresas privadas tenham um ou dois dias por semana de teletrabalho. Há vantagens nessa opção. Para o trabalhador, permite economizar os tempos de transporte e, nalguns casos, ficar com os filhos em casa. Para a empresa, as vantagens são ter um trabalhador mais feliz, mais sereno e, consequência disso, mais produtivo.
Na realidade, sempre que alguém me dizia que iria teletrabalhar, eu, honestamente, pensava que era um subterfúgio para não fazer nada. Agora, que eu próprio estou em teletrabalho, constato que se produz bastante e que se trabalha durante mais tempo. Ao não ter o tempo de transporte, na realidade, acabamos por começar mais cedo e não ter hora para terminar. Algumas das reuniões continuam a fazer-se por sono- ou videoconferência e os “diálogos” por email, whatsapp e messenger tornam-se mais longos e mais constantes. Por outro lado, em sentido negativo, a falta dos colegas e o confronto com um ambiente organizado para lazer, faz com que as tarefas mais básicas demorem muito tempo.
Portanto, o meu balanço em termos de julgamento do teletrabalho é que ele pode ser útil, e inevitável na atual situação, mas que não é suficientemente produtivo para mim. Quero voltar ao Gabinete dos Açores em Bruxelas o quanto antes, regressar às reuniões com interesse para os Açores, retornar aos “corredores” das instituições europeias, reiniciar as conversas de proximidade com os meus colegas e beber um café a meio da tarde para tagarelar sobre tudo e sobre nada. Gosto muito de estar em casa, ler um livro, ver televisão, conversar em família, jantar à luz da vela… Tudo isso. Mas o conceito “teletrabalhar a partir de casa” continua a ser uma violenta antítese para mim.
Estar confinado dá-me também tempo para pensar no que se passa lá fora, na Europa e no mundo. Vejo com muita preocupação o controlo que alguns países fazem dos seus cidadãos num “canto” do globo e a perda de humanismo no outro. Na China e países vizinhos atentou-se contra a liberdade e privacidade individual como um elefante numa loja de porcelanas e, nos Estados Unidos da América, já se fala, com uma estonteante normalidade, em sacrificar a terceira idade para benefício da economia. Está tudo louco?!
As mudanças causadas pela covid-19 são inevitáveis e muitas delas estão para ficar. Está nas nossas mãos moldar o seu sentido. Teremos de ser mais ativos na adesão e no cumprimento das indicações das autoridades, mas não podemos permitir que as perdas de privacidade e liberdade, aceitáveis em tempos de pandemia, se mantenham no dia a seguir à resolução deste enorme problema. Pode parecer um problema menor, mas não é.

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