Teletrabalho e videoconferência
Foto: S Paradela
Por ordem das autoridades belgas, estou confinado faz hoje oito dias. Todos os residentes na Bélgica foram “convidados” a permanecer em casa exceto os que desempenham tarefas cruciais em termos médicos e para a gestão presencial do quotidiano: médicos, enfermeiros, bombeiros, profissões relacionadas com a sanidade pública e energia, agricultores, merceeiros, distribuidores de comida, polícias, pescadores, alguns educadores… e poucos outros. A minha profissão não se enquadra nestas tipologias e, portanto, estou confinado em casa.
No entanto, estar “confinado” não
significa estar “preso”. Há algumas liberdades e estas foram definidas pelo governo
belga. Tenho aproveitado esta pouca liberdade para praticar desporto, dar
pequenos passeios em modo circular à volta de casa, ir às lojas autorizadas (supermercado,
padaria e farmácia) e praticar alguns pequenos atos de solidariedade social.
Nunca pensei que ir às lojas pudesse ser um dos momentos altos do meu dia, mas,
atualmente, é.. Triste? Um pouco.
Tento fazer com que o tempo de reclusão
seja tão útil quanto possível. Por exemplo, realizei que teletrabalho é
trabalho mesmo. Aqui na Bélgica é habitual que os trabalhadores da
administração e mesmo de algumas empresas privadas tenham um ou dois dias por
semana de teletrabalho. Há vantagens nessa opção. Para o trabalhador, permite
economizar os tempos de transporte e, nalguns casos, ficar com os filhos em
casa. Para a empresa, as vantagens são ter um trabalhador mais feliz, mais
sereno e, consequência disso, mais produtivo.
Na realidade, sempre que alguém
me dizia que iria teletrabalhar, eu, honestamente, pensava que era um
subterfúgio para não fazer nada. Agora, que eu próprio estou em teletrabalho,
constato que se produz bastante e que se trabalha durante mais tempo. Ao não
ter o tempo de transporte, na realidade, acabamos por começar mais cedo e não
ter hora para terminar. Algumas das reuniões continuam a fazer-se por sono- ou videoconferência
e os “diálogos” por email, whatsapp e messenger tornam-se mais
longos e mais constantes. Por outro lado, em sentido negativo, a falta dos
colegas e o confronto com um ambiente organizado para lazer, faz com que as tarefas
mais básicas demorem muito tempo.
Portanto, o meu balanço em termos
de julgamento do teletrabalho é que ele pode ser útil, e inevitável na atual
situação, mas que não é suficientemente produtivo para mim. Quero voltar ao
Gabinete dos Açores em Bruxelas o quanto antes, regressar às reuniões com
interesse para os Açores, retornar aos “corredores” das instituições europeias,
reiniciar as conversas de proximidade com os meus colegas e beber um café a
meio da tarde para tagarelar sobre tudo e sobre nada. Gosto muito de estar em
casa, ler um livro, ver televisão, conversar em família, jantar à luz da vela…
Tudo isso. Mas o conceito “teletrabalhar a partir de casa” continua a ser uma violenta
antítese para mim.
Estar confinado dá-me também
tempo para pensar no que se passa lá fora, na Europa e no mundo. Vejo com muita
preocupação o controlo que alguns países fazem dos seus cidadãos num “canto” do
globo e a perda de humanismo no outro. Na China e países vizinhos atentou-se
contra a liberdade e privacidade individual como um elefante numa loja de
porcelanas e, nos Estados Unidos da América, já se fala, com uma estonteante
normalidade, em sacrificar a terceira idade para benefício da economia. Está
tudo louco?!
As mudanças causadas pela covid-19 são inevitáveis e muitas delas estão para ficar. Está nas nossas mãos
moldar o seu sentido. Teremos de ser mais ativos na adesão e no cumprimento das
indicações das autoridades, mas não podemos permitir que as perdas de
privacidade e liberdade, aceitáveis em tempos de pandemia, se mantenham no dia
a seguir à resolução deste enorme problema. Pode parecer um problema menor, mas
não é.
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