sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Voo do Cagarro - 8: O entardecer bucólico na ilha do Corvo, Açores

Vista Sul na Ilha do Corvo, Açores.
Foto: F Cardigos 

Num destes dias, na ilha do Corvo, ao entardecer. Passeávamos sem destino, apenas contemplando as rochas que se emaranhavam na água salgada, quase parada, e como esta se fundia com o horizonte, lá muito ao fundo.

Por entre as rochas à beira-mar, encontrámos uma que nos permitiu sentar. Descalçámo-nos. Colocámos os pés dentro de água. Apenas os pés e os tornozelos. Sentimos a frescura da água como um ligeiro e suave arrepio. Simpático.

Passados alguns minutos, apareceram umas mujinhas (tainhas pequeninas). Depois de se ambientarem, digo eu, começaram a comer alguma coisa na nossa alva e muito urbana derme. Talvez peles mortas ou animalejos que não consegui ver constituíssem o repasto para os pequenos peixinhos…

Passado um pouco, talvez uns minutos, um minúsculo caboz agarrou-se ao tornozelo. Penso que estava a reivindicar a propriedade daquele membro invasor.

Nisto, um cardume de sarguetas passou fugindo como se fosse perseguido por um invisível predador. Passou novamente e voltou a passar, sempre perseguidos pelas forças da sua imaginação…

As mujinhas não se perturbavam minimamente com aquele stress sem sentido. Continuavam a nadar por entre os nossos pés, apenas embaladas pelo ir e vir da mareta. Comendo algo que eu não via.

Numa poça ao lado, longe dos nossos pés, uma moreia-preta fiscalizava os fundos, deambulando por entre as pedras. Penso que estava a tentar emboscar alguma presa cada vez que rodeava uma pedra, mas nada… Nadou, rodeou, parou, olhou, nadou mais… e acabou mesmo por desaparecer do nosso alcance visual, afundando em direção ao largo.

Continuámos na nossa cálida contemplação dos peixinhos alimentando-se e do caboz que continuava a reivindicar o seu reino.

Um camarão aproximou-se todo pimpão. Agitando as tenazes, foi verificando o limite dos pés, tentando encontrar alguma utilidade para os invasores, ou seja, nós. A descontração do artrópode foi tanta que chegou mesmo a subir para as nossas mãos.

A certo passo, tudo mudou.

As sarguetas puseram-se numa fuga ainda mais histérica, o caboz meteu-se dentro de um invisível buraco entre as rochas, o camarão contraiu o abdómen repentinamente deixando atrás um rasto de nada e as mujinhas simplesmente desapareceram.

Esperámos…

De forma escorregadia e insidiosa, mesmo sorrateiramente, um peixe-porco nadava de lado para poder chegar perto dos nossos pés. Fiquei surpreendido com a tenacidade e coragem deste peixe, mas foi Sol de pouca dura. Ao verificar que aos pés submersos correspondiam corpos de seres humanos, o peixe-porco entrou numa fuga ainda mais repentina que as sarguetas histéricas. Foi-se num salto olímpico que nos deixou boquiabertos!

Lentamente, voltaram as mujinhas, o caboz e as sarguetas correndo atrás de nada e em fuga de tudo. As mujinhas voltaram a alimentar-se daquilo que adivinhavam existir sobre a nossa pele, o que nos fazia sentir qualquer coisa tão leve como uma pena a poisar suavemente num entardecer bucólico na ilha do Corvo…

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