Num destes dias, na ilha do Corvo, ao entardecer. Passeávamos
sem destino, apenas contemplando as rochas que se emaranhavam na água salgada,
quase parada, e como esta se fundia com o horizonte, lá muito ao fundo.
Por entre as rochas à beira-mar, encontrámos uma que nos
permitiu sentar. Descalçámo-nos. Colocámos os pés dentro de água. Apenas os pés
e os tornozelos. Sentimos a frescura da água como um ligeiro e suave arrepio.
Simpático.
Passados alguns minutos, apareceram umas mujinhas (tainhas
pequeninas). Depois de se ambientarem, digo eu, começaram a comer alguma coisa
na nossa alva e muito urbana derme. Talvez peles mortas ou animalejos que não
consegui ver constituíssem o repasto para os pequenos peixinhos…
Passado um pouco, talvez uns minutos, um minúsculo caboz
agarrou-se ao tornozelo. Penso que estava a reivindicar a propriedade daquele
membro invasor.
Nisto, um cardume de sarguetas passou fugindo como se fosse
perseguido por um invisível predador. Passou novamente e voltou a passar,
sempre perseguidos pelas forças da sua imaginação…
As mujinhas não se perturbavam minimamente com aquele stress
sem sentido. Continuavam a nadar por entre os nossos pés, apenas embaladas pelo
ir e vir da mareta. Comendo algo que eu não via.
Numa poça ao lado, longe dos nossos pés, uma moreia-preta
fiscalizava os fundos, deambulando por entre as pedras. Penso que estava a
tentar emboscar alguma presa cada vez que rodeava uma pedra, mas nada… Nadou,
rodeou, parou, olhou, nadou mais… e acabou mesmo por desaparecer do nosso
alcance visual, afundando em direção ao largo.
Continuámos na nossa cálida contemplação dos peixinhos
alimentando-se e do caboz que continuava a reivindicar o seu reino.
Um camarão aproximou-se todo pimpão. Agitando as tenazes,
foi verificando o limite dos pés, tentando encontrar alguma utilidade para os invasores,
ou seja, nós. A descontração do artrópode foi tanta que chegou mesmo a subir
para as nossas mãos.
A certo passo, tudo mudou.
As sarguetas puseram-se numa fuga ainda mais histérica, o
caboz meteu-se dentro de um invisível buraco entre as rochas, o camarão
contraiu o abdómen repentinamente deixando atrás um rasto de nada e as mujinhas
simplesmente desapareceram.
Esperámos…
De forma escorregadia e insidiosa, mesmo sorrateiramente, um
peixe-porco nadava de lado para poder chegar perto dos nossos pés. Fiquei
surpreendido com a tenacidade e coragem deste peixe, mas foi Sol de pouca dura.
Ao verificar que aos pés submersos correspondiam corpos de seres humanos, o
peixe-porco entrou numa fuga ainda mais repentina que as sarguetas histéricas.
Foi-se num salto olímpico que nos deixou boquiabertos!
Lentamente, voltaram as mujinhas, o caboz e as sarguetas
correndo atrás de nada e em fuga de tudo. As mujinhas voltaram a alimentar-se daquilo
que adivinhavam existir sobre a nossa pele, o que nos fazia sentir qualquer
coisa tão leve como uma pena a poisar suavemente num entardecer bucólico na
ilha do Corvo…
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