sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Voo do Cagarro – 31: A aventura do conhecimento

 


Modelos no Museu de Marinha em Lisboa.
Foto: F Cardigos


Sinto que cada vez que aprendo alguma coisa me torno mais feliz. Quando essa aprendizagem resulta de uma procura, pesquisa ou experiência, o gosto é ainda maior. Provavelmente, um pedagogo diria com maior propriedade, mas sinto que a aprendizagem que resulta de uma iteração com uma enciclopédia, da conversa com quem sabe mais ou da aplicação do método científico tem um sabor acrescido.

Há descobertas simples e passivas, como as que resultam da descoberta de um enredo no final de um filme, e outras, ultra-complexas, como as que resultam do percurso da investigação científica dirigida. O êxtase da descoberta após longo e árduo trabalho levou inclusivamente ao cunhar da expressão “Eureka!”.

Entre os dois extremos, entre a descoberta passiva e a procura estruturada da verdade, há muito daquilo que nos acontece no dia a dia e nos fascina, por vezes de forma deliciosa. Aquilo que apelidei em tempos de “momentos perfeitos”.

Por vezes, colocamo-nos propositadamente em modo de aprendizagem, mas sem seguir uma qualquer metodologia científica. Isso acontece, por exemplo, ao entrarmos num museu. Estamos à procura de novas informações, mas, muitas vezes, nem sequer sabemos o quê com precisão.

No meu caso, quando visito um museu, tenho em vista, na maioria das vezes, preencher uma determinada falha no conhecimento, mas, ao mesmo tempo, tenho também a expectativa de tropeçar em outras pequenas ou grandes epifanias.

Quando, ainda menino, pela primeira vez entrei no Louvre, em Paris, queria ver “A Gioconda”. Era o meu único objetivo. Claro que fui esmagado pelos quilómetros de corredores com muito do melhor que já fez a espécie humana e fiquei altamente desapontado com a pequenez, escuridão e distância a que pude observar a obra de Leonardo da Vinci. Tudo o resto era grandioso, transmitia emoções de diversa índole, tinha histórias associadas que nos faziam sonhar, mas “A Gioconda”… Nada.

Outras vezes, o objetivo é atingido com aquilo que chamo, inspirado no jogo da canasta, “o florão”. Estamos à espera de algo muito bom e aquilo que sentimos acaba por estar muito acima.

Lembro-me que, quando visitei o museu do Vaticano, tinha como um dos grandes objetivos ver a “Capela Sistina”. Ao chegar à capela fiquei imediatamente deslumbrado com o esplendor dos frescos de Miguel Ângelo que embelezam o teto e que foram magnificamente recuperados. Até aí, ainda poderia ser expectável. O que não esperava de todo é que um dos monges presentes na sala começasse a cantar. Que bonito! Invadiu-me o coração uma paz e uma tranquilidade sem par. A obra de arte, ou seja, a “Capela Sistina”, ganhou uma dimensão inesperada. O conhecimento adquirido não é daqueles que viesse a utilizar quotidianamente, mas a harmonia extasiada que senti foi-me muito útil até para entender o que significam as palavras “paz interior”.

Cada vez mais, ao voar por aí como um cagarro sem falésia, entendo o valor de viajar leve, contentando-me em transportar pouco, a não ser o conhecimento e o acesso ao mesmo. Saber resolver raízes quadradas, saber navegar usando as estrelas, ter a capacidade de mergulhar por esse oceano adentro ou lembrar-me do som das notas da Aria das “Variações Goldberg” de J.S. Bach. Esses são os verdadeiros prazeres que a vida me dá e, de forma quase gratuita, pode dar a qualquer um.

Essa é uma das vantagens do tempo presente. O conhecimento é cada vez mais acessível.

Quer aprender a pilotar um avião? Descarregue um bom simulador no computador e, em poucos dias, estará a voar. É fácil? Não! Eu já tentei e compreendi que, para pilotar a sério, mesmo num simulador, é preciso estudar e treinar, mas é possível. Passar do simulador para o mundo real custa dinheiro, muito dinheiro, é certo, mas a fase 1 desse processo está a uma vontade de distância.

Quando morremos, nenhum dos objetos que colecionámos na vida irá connosco. Há quem diga que o conhecimento e as memórias da vida na Terra flutuarão misteriosamente com a nossa alma em locais etéreos como o paraíso ou o purgatório. Não acredito nisso, mas não tenho provas que o possam negar.

Tenho a certeza, porém, de que, após a morte, restarão de nós as memórias que cultivámos nos restantes. É por isso que artistas, como os que mencionei acima, estarão sempre connosco. Souberam gerar memórias que perdurarão enquanto houver inteligência para as apreciar. Saibam as pessoas de bem procurar estas obras, apreciá-las e conservá-las, garantindo que estarão disponíveis para as gerações seguintes.

Que se perpetue a aventura do conhecimento!


Frederico Cardigos é biólogo-marinho no Eurostat. As opiniões manifestadas neste artigo são totalmente pessoais e podem não coincidir com a posição oficial da Comissão Europeia.

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