Este artigo foi-me suscitado pela minha filha. Um destes dias enviou-me uma mensagem sugerindo que ouvisse um episódio do podcast “Vamos todos morrer” (Antena 3) em que se falava de Miguel de Arriaga. Não, não me enganei, não é “Manuel” de Arriaga, mas sim “Miguel”.
Para quem não sabe, tal
como eu não sabia, Miguel de Arriaga (1776-1824) é um muy ilustre Fayalense que
se destacou enquanto ouvidor e diplomata em Macau. Vale mesmo a pena ler a
história deste familiar daquele que viria a ser o primeiro Presidente da
República eleito de Portugal. Uma história que dava um filme e dos bons!
No entanto, aquilo que me
suscitou a mensagem da filhota não era tanto a contemplação da ancestralidade
da Ilha do Faial, que admiro sem reservas, mas sim enaltecer o percurso de
algumas pessoas que sinto poderem servir de exemplo para os meus filhos.
Colocaria Miguel de Arriaga entre eles? Sim, e com mais entusiasmo do que
Manuel de Arriaga (1840-1917).
Aproveitando o seu conhecimento
histórico, perguntei à minha família próxima quem seriam para eles as pessoas
que se excederam de forma inesperada e muito positiva para o bem da humanidade.
Pedi-lhes para excluírem os políticos, porque desses é esperada essa
positividade, mesmo que, por vezes, nos desiludam. Portanto, as pessoas que
irei mencionar daqui em diante são o somatório da minha pesquisa assumidamente
contaminada pelo que me disseram os meus familiares. Até para que a aproximação
histórica fique mais evidente, apresento por ordem razoavelmente cronológica.
Siddhartha Gautama (ca. 563
a.C. - 483 a.C.) foi um príncipe que abdicou de todas as suas regalias e
riquezas para fazer um percurso de “iluminação” interior que incluiu
preocupações com a erradicação do sofrimento de humanos e animais. Buda, nome
pelo qual é hoje mais conhecido, inspirou a religião budista e muitos dos
escritos que são a pedra basilar desse movimento que tem como ponto fundamental
a busca individual da perfeição humanista.
Mesmo sem ser necessário
recorrer ao seu estatuto de divindade, não tenho dúvidas sobre a importância de
Jesus Cristo (ca. 4 a.C. - 30/33 d.C.) na transformação do mundo para melhor. O
seu exemplo dá permanentemente alento e esperança a tantos que sofrem. Os seus
discursos, a sua visão e a sua ação proporcionaram inspiração ao melhor que
artistas, políticos e religiosos fizeram desde o seu tempo enquanto entidade
terrena. Aquilo que de bom possui o chamado mundo ocidental tem como ponto de
charneira a vida de Jesus Cristo traduzida pelas diversas religiões monoteístas
e igrejas cristãs ou, mais a meu gosto, pelos trabalhos científicos que o estudam.
Os quatro Grandes
compositores transformaram a música, serão eternamente ouvidos enquanto seres
humanos existirem e são imediatamente reconhecidos apenas por um único nome.
Vivaldi (1678-1741), Bach (1685-1750), Mozart (1756-1791) e Beethoven (1770-1827)
viveram e protagonizaram a transição do período barroco para o período
romântico. Trouxeram ao mundo composições como os concertos “As Quatro Estações”,
o coral “Jesus Alegria dos Homens”, a missa fúnebre ou Requiem de Mozart e o
“Hino à Alegria”, apenas para dar um único exemplo para cada.
O importantíssimo filósofo
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) pediu para dizerem a Carl Linnaeus
(1707-1778) que “não conhecia maior homem na Terra”. Linnaeus foi um botânico,
zoólogo, taxonomista e médico sueco. O seu trabalho mais importante culminou no
estabelecimento da nomenclatura binominal que ainda hoje é usada para designar
todos os organismos vivos e de forma única em todo o planeta. Goethe (1749-1832),
talvez o maior génio de todos os tempos e também político, admitiu que foi
fortemente influenciado por Linnaeus.
A fundadora da enfermagem
moderna, Florence Nightingale (1820-1910), foi, antes disso, uma profissional
da estatística com trabalho reconhecido. Ainda hoje, algumas das ferramentas
usadas para visualizar informação numérica resultam dos seus trabalhos
pioneiros. Mas foram as suas ações na sistematização do auxílio a feridos e
doentes e a sua contribuição para o empoderamento das mulheres que transformaram
o mundo para melhor. Uma das mais prestigiadas condecorações da Cruz Vermelha
Internacional tem o seu nome.
A Cruz Vermelha, essa
impressionante e imprescindível organização de apoio humanitário, nasceu da
visão Henry Dunant (1828-1910). O empresário suíço, motivado pelo sofrimento
que testemunhou da guerra, dedicou parte da sua vida a esta causa e, por isso,
mereceu o Prémio Nobel e merece a minha admiração.
Marie Skłodowska-Curie
(1867-1934) foi uma genial cientista nas áreas da física e da química. Nasceu
na Polónia ocupada pela Rússia e naturalizou-se francesa. Com o seu marido,
Pierre Currie (1859-1906), protagonizou extraordinários avanços no estudo e
aplicação da radiação e descobriu os elementos químicos Polónio (denominado em
homenagem à sua terra natal) e Rádio. Foi a primeira mulher a receber um prémio
Nobel e a primeira pessoa a receber este reconhecimento por duas vezes. Entre muitas
outras posições, foi também diretora do serviço de radiologia da Cruz Vermelha.
Albert Schweitzer (1875-1965)
foi um pastor luterano que se destacou como teólogo, organista, musicólogo,
escritor, humanista, filósofo e médico. Ficou mundialmente conhecido por ter
fundado, financiado e trabalhado num hospital em Lambaréné (Gabão). Foi
agraciado pelos seus trabalhos filosóficos sobre ética. É da sua pena, “A Ética
nada mais é do que a Reverência pela Vida. A reverência pela vida proporciona-me
o princípio fundamental de moralidade, ou seja, que o bem consiste em manter,
auxiliar e melhorar a vida, e que destruir, prejudicar ou impedir a vida é mau.”
Era primo de Jean-Paul Sartre (1905-1980), outro enorme ser humano, com o qual
civilizadamente discordava. A ambos foi atribuído o prémio Nobel: Albert
Schweitzer aceitou e Jean-Paul Sartre recusou.
Por princípio, devemos
cumprir as ordens laborais dadas pelos superiores hierárquicos, mesmo que com
isso não concordemos. No entanto, em casos extremos, é necessário ter a
clarividência e a coragem de dizer “não”. Foi isso que fez Aristides de Sousa
Mendes (1885-1954), um dos diplomatas portugueses que desobedeceu ao seu
Governo durante a segunda grande guerra e, com isso, salvou milhares de judeus
e outros refugiados. Entre outras homenagens, foi agraciado como um dos “Justos
entre as nações”.
Flora Solomon (1895-1984)
foi aquilo que hoje poderíamos chamar de mulher multifacetada. Bielorrussa,
nascida numa família de largos recursos, perdeu a fortuna com a revolução de
1917, o que a obrigou a trabalhar em Inglaterra onde, entretanto, se tinha
radicado. Organizou a receção de crianças refugiadas que chegavam a Londres nos
anos 30. Como responsável pelo bem-estar dos funcionários numa grande cadeia de
venda a retalho, influenciou a criação do Serviço Nacional de Saúde britânico.
Num campo totalmente diverso, descobriu e expôs um dos mais famigerados
agentes-secretos duplos do Reino Unido. Para além de tudo isso, ficou também na
História por ser a mãe de Peter Benenson (1921-2005), fundador da Amnistia
Internacional.
Pela enormíssima
consideração que lhe tenho enquanto ativista pelos direitos humanos, quebro a
minha regra e mencionarei um político. Nelson Mandela (1918-2013) foi um
resistente pacifista anti-apartheid e liderou a transição de um país então
fortemente segregacionista para uma África do Sul igualitária e reconciliada. O
seu exemplo e a sua extraordinária sabedoria iluminam as pessoas de bem.
Obviamente e felizmente,
esta não é uma lista exaustiva. Apenas por escrever os nomes atrás, lembrei-me
de tantos outros, incluindo filósofos e cientistas da Grécia antiga, escritores
romanos, pensadores asiáticos, exploradores dos sete mares, incluindo alguns
portugueses, e até desportistas... No entanto, este é um conjunto de pessoas de
cujo exemplo e por razões diferentes, eu gostaria que os meus filhos se
lembrassem quando têm de tomar decisões importantes. Todas estas pessoas
tornaram o mundo diferente e, na minha opinião, para melhor.
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