sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Mentirinhas


Apenas com verdades se podem construir muros estruturantes.
As mentiras apenas geram muros de Berlim.
Por: F Cardigos

Há certas afirmações repetidas pelos poderosos do sistema, através do discurso político e manipulando a comunicação social, que são transformadas em verdades pela simples insistência ou, quando muito, pela sua aparência de verdade. São dogmas. E estes, por definição, não se discutem, aceitam-se simplesmente e sobre eles pode elaborar-se todo um conjunto de soluções, aparentemente lógicas e bem ordenadas, não fora o facto do dogma em que se fundamentam carecer de verificação e não estar sujeito à crítica.
Na sequência duma palestra do diretor regional do Trabalho,Dr. Rui Bettencourt, eu próprio fiquei surpreendido quando me mostrou o quanto estamos a ser conduzidos para fora da realidade. Como entrada, pergunto-lhe, caro leitor, acha que os portugueses ganham demais? Trabalham de menos? São “verdades” com que todos os dias nos acenam, “verdades” a partir das quais se tomam decisões ditas corajosas, penalizantes, mas necessárias. Dizem. Mas serão Verdade? Vejamos.
Como resultado de um acordo precipitado com a Troika e uma interpretação pouco ponderada, o Governo Português resolveu lançar uma campanha de redução da despesa. Curiosamente, quando todos concordam que o problema português é essencialmente um problema de produtividade é, no mínimo, estranho que se resolva atuar primordialmente na redução da despesa, como se fosse uma panaceia. Não é. Mas, para alimentar a discussão, admitamos que a redução da despesa é um fator importante no progresso e no desenvolvimento de Portugal. Então, pensemos, onde devemos reduzir a despesa? Será nos ordenados? Olhemos para os ordenados do mundo de acordo com o Bureau of Labour Statistics publicado na Alternatives Economiques. Se considerarmos que o ordenado médio é de 100, na Dinamarca ganha-se 122, na Alemanha 115, na França 100, nos Estados Unidos 77 e na Grécia 47.
Espera!? E Portugal? Ah, pois, Portugal, para isso temos que descer um pouco mais na tabela… Procurando… Cá está! Portugal… 29. Inacreditável, não é? Tanto nos dizem que ganhamos demais, tanto nos cortam nos salários e depois… 29! É a este país de vinte e noves que agora irão retirar o subsídio de férias e de natal. Parece justo? Sabendo das consequências que isso terá ao nível do consumo e da poupança, será isso sensato?
Uma das questões que mais preocupa os portugueses, e com razão, é o emprego. De acordo com um estudo de âmbito mundial conduzido pelo Ministério francês da Economia, Indústria e Trabalho, há uma relação positiva entre o emprego e a produtividade. Ou seja, se quisermos combater o desemprego, uma das vias é aumentar a produtividade. Todos estamos preocupados com a nossa estabilidade financeira e com as oportunidades que terão os nossos filhos, certo? Pois, apenas poderemos estar tranquilos se houver produtividade.
Curiosamente, um dos fatores que resulta da produtividade é o crescimento económico. No entanto, o crescimento económico está dependente de… imaginam? Será do investimento? Será do nível industrial? Será da liberdade? Do respeito pelos direitos humanos? Não! O crescimento económico tem uma relação linear, direta e positiva com o nível educativo no ensino primário e secundário, segundo os cálculos do “Repenser l'État” de Philippe Aghion publicado em 2011. Ou seja, apenas com um investimento em boa educação de base, em que realmente as crianças ficam cultas e hábeis, se obtém crescimento. A relação é assustadoramente direta. Bom, então, a questão seguinte é simples: como estamos de educação de base em Portugal? Estamos, infelizmente, muito mal. Somos dos piores países do mundo. Isso resulta de dois fatores: por um lado temos uma educação orientada para um sucesso duvidoso, o tal “canudo”, e não temos um ensino médio adequado.
Quando os estudantes abandonam o ensino no 9º ou no 12º ano não sabem literalmente fazer nada. Obviamente, não estou a dizer que é sempre assim, mas na maioria dos casos... E é assim porque, na minha opinião, a seguir ao 25 de Abril alguma alma iluminada considerou que a existência de escolas industriaise comerciais eram o lado negro do elitismo fascista. Erro! Estamos, desde então, a tentar lançar as escolas profissionais, mas estas tardam a ter o sucesso e a competência das anteriores. Aliás, grande parte do investimento nas escolas profissionais foi realizado não porque se acreditasse no processo em si, mas sim para captar os dinheiros europeus que para isso estavam disponíveis e para retirar do ensino regular alguns alunos menos adequados ao sucesso dos restantes. Isto poderia não ser muito mau, mas é. Criou-se um estigma à volta das escolas profissionais que, para além de ser injusto, é lesa pátria. É essencial voltar a ter quadros médios. Por causa disto, segundo o estudo “Skills:Supply and Demand in Europe” do Centro Europeu para o Treino do Desenvolvimento Vocacional, Portugal está em má condição educativa e é incapaz de melhorar. Portugal é dos países da Europa em que a expectativa de sucesso é menor.
Voltemos às mentirinhas com que nos vão entretendo. Insiste-se que não trabalhamos o suficiente. Vejamos os números do Eurostat: em Portugal trabalham-se 38 horas por semana, tal como na Grécia, na França 35, na Alemanha 34, na Dinamarca 33 e os campeões do lazer são os holandeses com 30 horas de trabalho por semana. Portanto, mais uma vez estão a mentir-nos porque não trabalhamos menos que os restantes e, aparentemente, não será com mais trabalho que se obtém maior rendimento ou crescimento, mas sim com educação de base.
Portugal precisa de um enorme investimento em educação de base com elevado nível, precisa de uma volta muito grande no sistema de responsabilização das classes dirigentes (incluindo os sindicalistas), precisa de repensar o sistema judicial e precisa de se emancipar das Troikas. Para que fique claro, agora temos de seguir este caminho, mas não o podemos voltar a repetir. Temos que evitar endividamentos excessivos ou contrair empréstimos com regras inadequadas. Nós precisamos de urgentemente voltar a ser os senhores do nosso destino. Para que isso aconteça é necessário estar particularmente atento e fazer as escolhas acertadas.
Sem verdades fáceis nem demagogias, apenas com conhecimento profundo e demonstrável da realidade e pedindo aos portugueses não sacrifícios, apenas tão penalizantes como inúteis, mas sim o empenho e o entusiasmo de todos na concretização de objectivos claros, consequentes e lógicos. Estou em crer que é por uma via dinâmica e mobilizadora que se alcançam soluções e não – e nunca! – pela submissão aos desideratos de agiotas e especuladores. Aqui fica a minha opinião alicerçada nos números e nos factos de quem sabe.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Sobre uma foca cinzenta


A foca-cinzenta encontrada no Faial em recuperação no
Centro de Recuperação de Animais Marinhos, Quiaios
Foto: Marisa Ferreira - CRAM-Q

Há uns dias atrás, apareceu, pela segunda vez num mês, uma foca-cinzenta nos Açores. No primeiro caso, o animal que apareceu na Graciosa estava ferido e acabou por morrer antes de ser apanhado. O segundo animal estava em boas condições, pelo menos sem qualquer traumatismo aparente, foi apanhado no Faial e transportado para o Centro de Vida Selvagem de Quiaios. Será neste Centro que a foca recuperará forças para, depois, ser libertada novamente na natureza.
Há populações desta espécie de focas na costa leste do Canadá e no norte da Europa Ocidental. Apesar da razão que levou as focas a aparecerem nos Açores nunca poder vir a ser entendida na totalidade, aparentemente, depois de ter terminado a fase de amamentação, estes jovens animais ter-se-ão perdido e, felizmente para o segundo, chegado ao nosso arquipélago. Obviamente, depois de uma viagem de milhares de quilómetros, estes animais estavam cansados e famintos.
Agora, no Centro de Quiaios, para além da recuperação, ter-se-á de fazer um esforço para identificar, provavelmente através de testesde ADN, qual a origem da foca. A tarefa de recuperação apenas estará terminada quando esta for libertada junto da sua população.
Tendo em conta que desde há quatro séculos que não há populações de focas nos Açores e que todos os animais que daqui se aproximaram com vida acabaram por ser encontrados mortos, penso que procedemos da melhor forma. Apesar das populações serem robustas, e portanto longe de ser uma necessidade para salvaguardar a espécie, demos uma segunda oportunidade a esta foca-cinzenta. Mas, não deixo de pensar na hipótese alternativa… Seria encantador ter uma foca nos Açores. Quem sabe se este não era o primeiro elemento de outros que se sucederiam…
Houve uma qualquer razão que empurrou estas focas para aqui. Terá sido uma razão natural, tipo tentativa de expansão da população ou terá sido um acidente? Será que estão agora criadas condições para, como aconteceu no passado, existir uma nova colónia de focas nos Açores? Olhemos para a colónia anterior tentando obter respostas.
Decorria o ano de 1427 quando oficialmente os Açores foramavistados pela primeira vez. Desde essa época e até, pelo menos, meados do século XVI, houve registo de lobos-marinhos (foca-monge) em Santa Maria. Ainda hoje, a toponímia da Praia de Lobos relembra os tempos em que estes animais foram usados até à exaustão para a obtenção de carne, peles e óleo. Tanto os usaram, que os extinguiram. Ainda hoje resiste uma população no arquipélago da Madeira que está em plena recuperação, graças à ação recente do seu Parque Natural.
Uma das ideias que ronda o departamento do Ambiente do Governo Regional dos Açores e alguns cientistas da Universidade insular é a possibilidade de, um dia, corrigir este erro lesa biodiversidade. Para que isso aconteça é necessário que a população de focas-monge da Madeira volte a estar robusta o suficiente para que voltem a tentar colonizar as nossas ilhas. No entanto, quem sabe, esta aproximação das focas do norte não seja a solução para este problema...?
Tenho a certeza que a próxima foca, seja cinzenta ou de outra espécie, que aparecer nos Açores nos irá causar um enorme problema de decisão. O que fazer? Arriscar que aqui fique, podendo isso significar a sua morte, ou manda-la novamente de volta para a sua população de origem? Opiniões?

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Exploração de algas pode ser mais-valia para os Açores


Declarações ao jornal Diário Insular


- Que particularidades distinguem as nossas algas das restantes?
A alga açoriana teve muita procura no mercado Oriental devido à qualidade e pureza do agar que era possível  delas extrair. Tanto a alga Pterocladiella capillacea  como o Gelidium microdon ocorrem naturalmente nos Açores e têm boas características para este fim, mas o Gelidium era apanhado em menores quantidades.
Há outras algas que são utilizadas tradicionalmente nos Açores como a Porphyra sp. (chamada vulgarmente de “erva patinha”), o Fucus spiralis, a Laurencia viridis e a Osmundea pinnafitida.
Para os interessados, há um pequeno Guia da autoria da Professora Ana Neto sobre as algas dos Açores e que é uma boa introdução ao tema.

- Que razões levaram ao fim da exploração deste negócio nos Açores?
Houve uma conjunção de fatores. Por um lado, a apanha era muito sazonal e a qualidade de vida que os apanhadores procuravam a partir de certo momento não se coadunava com esta intermitência, o que levou ao abandono por parte desta mão-obra especializada. Por outro lado, os rendimentos da atividade não eram equivalentes com o nível de exigência do trabalho debaixo de água horas a fio. O “mergulho às algas” era considerado um trabalho muito pesado e a recompensa salarial, que no início era enorme, foi ficando proporcionalmente mais pequena quando confrontada com outras oportunidades que foram surgindo mais tarde.
No entanto, houve também uma efetiva redução do manancial de algas tradicional. Ou seja, a própria atividade, conjugada com a pressão costeira, conjugada com a proliferação de espécies invasoras, como é o caso da alga vermelha Asparagopsis armata, conjugada com a exploração intensiva de espécies como as lapas e, eventualmente, até com o incremente das alterações climáticas globais, modificaram aquilo que hoje vemos debaixo de água. As espécies são as mesmas, mas a proporção entre elas modificou-se acentuadamente o que afetou os rendimentos.

- A exploração das algas poderia voltar a ser uma mais valia para a Região?
Tenho a certeza que sim. No entanto, os novos projetos, que podem assumir contornos tão inovadores como inesperados, terão, logo à partida, de conter um estudo de viabilidade económica conjugado com uma verdadeira contextualização ambiental. Não quero com estas palavras afastar eventuais empreendedores, antes pelo contrário, mas é preciso ter consciência que o mundo de hoje já não é compatível com o simples submergir e apanhar as algas das espécies certas. Tenho a certeza que os empreendedores que aliarem à coragem que lhes é natural a competência e a clareza de objetivos encontrarão no Governo um parceiro interessado e dinâmico.
Entre os negócios que começam a aparecer na área das algas e que ninguém imaginaria há uns anos atrás incluem-se o sequestro de Carbono e a produção energética. Penso que também há espaço para a apanha de algas tendo em vista a produção de agar, mas é necessário fazer contas, estudar o ambiente subaquático açoriano e tomar boas decisões.


Pode ser lido aqui:
http://www.diarioinsular.com/version/1.1/r14/?cmd=noticia&id=37677