Apenas com verdades se podem construir muros estruturantes.
As mentiras apenas geram muros de Berlim.
As mentiras apenas geram muros de Berlim.
Por: F Cardigos
Há certas afirmações repetidas pelos poderosos do sistema,
através do discurso político e manipulando a comunicação social, que são transformadas
em verdades pela simples insistência ou, quando muito, pela sua aparência de
verdade. São dogmas. E estes, por definição, não se discutem, aceitam-se
simplesmente e sobre eles pode elaborar-se todo um conjunto de soluções,
aparentemente lógicas e bem ordenadas, não fora o facto do dogma em que se
fundamentam carecer de verificação e não estar sujeito à crítica.
Na sequência duma palestra do diretor regional do Trabalho,Dr. Rui Bettencourt, eu próprio fiquei surpreendido quando me mostrou o
quanto estamos a ser conduzidos para fora da realidade. Como entrada,
pergunto-lhe, caro leitor, acha que os portugueses ganham demais? Trabalham de
menos? São “verdades” com que todos os dias nos acenam, “verdades” a partir das
quais se tomam decisões ditas corajosas, penalizantes, mas necessárias. Dizem. Mas
serão Verdade? Vejamos.
Como resultado de um acordo precipitado com a Troika e uma
interpretação pouco ponderada, o Governo Português resolveu lançar uma campanha
de redução da despesa. Curiosamente, quando todos concordam que o problema
português é essencialmente um problema de produtividade é, no mínimo, estranho
que se resolva atuar primordialmente na redução da despesa, como se fosse uma
panaceia. Não é. Mas, para alimentar a discussão, admitamos que a redução da
despesa é um fator importante no progresso e no desenvolvimento de Portugal.
Então, pensemos, onde devemos reduzir a despesa? Será nos ordenados? Olhemos
para os ordenados do mundo de acordo com o Bureau of Labour Statistics
publicado na Alternatives Economiques.
Se considerarmos que o ordenado médio é de 100, na Dinamarca ganha-se 122, na
Alemanha 115, na França 100, nos Estados Unidos 77 e na Grécia 47.
Espera!? E Portugal? Ah, pois, Portugal, para isso temos que
descer um pouco mais na tabela… Procurando… Cá está! Portugal… 29. Inacreditável,
não é? Tanto nos dizem que ganhamos demais, tanto nos cortam nos salários e
depois… 29! É a este país de vinte e noves que agora irão retirar o subsídio de
férias e de natal. Parece justo? Sabendo das consequências que isso terá ao
nível do consumo e da poupança, será isso sensato?
Uma das questões que mais preocupa os portugueses, e com
razão, é o emprego. De acordo com um estudo de âmbito mundial conduzido pelo
Ministério francês da Economia, Indústria e Trabalho, há uma relação positiva
entre o emprego e a produtividade. Ou seja, se quisermos combater o desemprego,
uma das vias é aumentar a produtividade. Todos estamos preocupados com a nossa
estabilidade financeira e com as oportunidades que terão os nossos filhos,
certo? Pois, apenas poderemos estar tranquilos se houver produtividade.
Curiosamente, um dos fatores que resulta da produtividade é
o crescimento económico. No entanto, o crescimento económico está dependente
de… imaginam? Será do investimento? Será do nível industrial? Será da
liberdade? Do respeito pelos direitos humanos? Não! O crescimento económico tem
uma relação linear, direta e positiva com o nível educativo no ensino primário
e secundário, segundo os cálculos do “Repenser l'État” de Philippe Aghion
publicado em 2011. Ou seja, apenas com um investimento em boa educação de base,
em que realmente as crianças ficam cultas e hábeis, se obtém crescimento. A
relação é assustadoramente direta. Bom, então, a questão seguinte é simples:
como estamos de educação de base em Portugal? Estamos, infelizmente, muito mal.
Somos dos piores países do mundo. Isso resulta de dois fatores: por um lado
temos uma educação orientada para um sucesso duvidoso, o tal “canudo”, e não
temos um ensino médio adequado.
Quando os estudantes abandonam o ensino no 9º ou no 12º ano
não sabem literalmente fazer nada. Obviamente, não estou a dizer que é sempre
assim, mas na maioria dos casos... E é assim porque, na minha opinião, a seguir
ao 25 de Abril alguma alma iluminada considerou que a existência de escolas industriaise comerciais eram o lado negro do elitismo fascista. Erro! Estamos, desde então,
a tentar lançar as escolas profissionais, mas estas tardam a ter o sucesso e a
competência das anteriores. Aliás, grande parte do investimento nas escolas
profissionais foi realizado não porque se acreditasse no processo em si, mas
sim para captar os dinheiros europeus que para isso estavam disponíveis e para
retirar do ensino regular alguns alunos menos adequados ao sucesso dos
restantes. Isto poderia não ser muito mau, mas é. Criou-se um estigma à volta
das escolas profissionais que, para além de ser injusto, é lesa pátria. É
essencial voltar a ter quadros médios. Por causa disto, segundo o estudo “Skills:Supply and Demand in Europe” do Centro Europeu para o Treino do Desenvolvimento Vocacional, Portugal está em má condição educativa e é incapaz de melhorar.
Portugal é dos países da Europa em que a expectativa de sucesso é menor.
Voltemos às mentirinhas com que nos vão entretendo. Insiste-se
que não trabalhamos o suficiente. Vejamos os números do Eurostat: em Portugal
trabalham-se 38 horas por semana, tal como na Grécia, na França 35, na Alemanha
34, na Dinamarca 33 e os campeões do lazer são os holandeses com 30 horas de
trabalho por semana. Portanto, mais uma vez estão a mentir-nos porque não
trabalhamos menos que os restantes e, aparentemente, não será com mais trabalho
que se obtém maior rendimento ou crescimento, mas sim com educação de base.
Portugal precisa de um enorme investimento em educação de
base com elevado nível, precisa de uma volta muito grande no sistema de
responsabilização das classes dirigentes (incluindo os sindicalistas), precisa
de repensar o sistema judicial e precisa de se emancipar das Troikas. Para que
fique claro, agora temos de seguir este caminho, mas não o podemos voltar a
repetir. Temos que evitar endividamentos excessivos ou contrair empréstimos com
regras inadequadas. Nós precisamos de urgentemente voltar a ser os senhores do
nosso destino. Para que isso aconteça é necessário estar particularmente atento
e fazer as escolhas acertadas.
Sem verdades fáceis nem demagogias, apenas com conhecimento
profundo e demonstrável da realidade e pedindo aos portugueses não sacrifícios,
apenas tão penalizantes como inúteis, mas sim o empenho e o entusiasmo de todos
na concretização de objectivos claros, consequentes e lógicos. Estou em crer
que é por uma via dinâmica e mobilizadora que se alcançam soluções e não – e
nunca! – pela submissão aos desideratos de agiotas e especuladores. Aqui fica a
minha opinião alicerçada nos números e nos factos de quem sabe.
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