sexta-feira, 31 de maio de 2013

Os Grandes Cercos

Monumento em Valeta, Malta.

Sovrano Militare Ordine Ospedaliero di San Giovanni di Gerusalemme di Rodi e di Malta é o nome completo da Ordem de Malta ou dos Cavaleiros de São João, como eu prefiro. Estes cavaleiros tinham como missão essencial a proteção dos peregrinos que se deslocavam à Terra Santa e as suas tarefas incluíam até a gestão de hospitais, daí serem também designados por Ordem Hospitaleira. Depois da perda do controlo da Terra Santa por parte das forças cristãs, os Cavaleiros de São João radicaram-se primeiro na ilha de Rodes e, depois, em Malta. Hoje em dia, esta Ordem continua a existir e tem uma ação considerada pacífica, útil e abnegada. Nem sempre foi assim...

Visto com os olhos da época, aquilo que hoje seria absolutamente inaceitável, a pirataria de Estado, a escravização de prisioneiros ou a condenação à morte sem julgamento prévio eram práticas comuns e também perpetradas por esta Ordem. Durante o tempo em que lhes foi dada a liderança do arquipélago de Malta, a Ordem aproveitou para saquear e pilhar todas as embarcações do poderosíssimo Sultão Suleimão I, “O Magnífico”, que passavam por perto. De tal forma a Ordem se tornou insuportável que acabou por obrigar o Sultão, contra vontade, a reagir.

Desta forma, o Sultão dirigiu para Malta uma força supostamente invencível que, aplicando uma estratégia mal desenhada e pior aplicada, acabou por não conseguir derrotar as forças cristãs. Ao contrário do que tinha acontecido em Rodes algumas dezenas de anos antes, quando os Cavaleiros de São João foram derrotados pelo Sultão, em Malta resistiram a uma força desigual que, ainda hoje, é apelidado de “o grande cerco”.

As aventuras e as atrocidades infligidas de parte a parte foram tais que ainda hoje servem de referência para demonstrar os extremos de intolerância e de maldade que os seres humanos conseguem infligir uns aos outros. Apenas para ilustrar, e peço desculpa aos mais sensíveis, uso um dos mais terríveis eventos.

Não conseguindo vencer os cavaleiros de São João pela força das armas, as forças do Sultão resolveram usar métodos de desmoralização do adversário. Assim, mataram parte dos prisioneiros e penduraram os seus corpos no exterior das muralhas de uma fortaleza que, entretanto, tinham tomado, expondo assim os corpos aos seus adversários. Como resposta, os cavaleiros de São João mataram também uma parte dos seus prisioneiros, decapitaram-nos e usaram as suas cabeças como balas de canhão que arremessaram por cima da fortaleza tomada... Tenho dificuldade em pensar em alguma coisa pior.

O que é certo é que os cavaleiros de São João, contra todas as expectativas, resistiram e repeliram as forças do Sultão. Malta resistiu e Malta ganhou. Com o tempo, mais de uma centena de anos, a Ordem desleixou-se, perverteu-se e acabou por se dissolver em termos militares com uma tomada pacífica da ilha por partes das forças de Napoleão. Apesar disso, a Ordem de Malta, com um figurino completamente diferente, ainda hoje existe.

Muitos anos mais tarde, durante a II Guerra Mundial, o arquipélago de Malta, já sem a Ordem, foi posto novamente à prova. Desta vez, as forças do Eixo cercaram e bombardearam intensamente Malta durante vários anos. Raide aéreo após raide aéreo, as bombas e a destruição foram desmoralizando e efetivamente destruindo as três ilhas habitadas do arquipélago. Nalguns dias, chegou a haver mais de duas dezenas de bombardeamentos, mas os malteses resistiram e não cederam.

Nas celebrações do Dia Europeu do Mar deste ano, tive a oportunidade de visitar a capital de Malta, La Valetta. Não pude visitar absolutamente mais nada porque todo o tempo foi consumido nos trabalhos. Em La Valetta, no trajeto que me levava do Hotel até à sala de conferências (o antigo hospital dos Cavaleiros de São João), encontrei umas estranhas portas na base do lado de fora das muralhas. Uma das portas estava aberta. Entrei. Lá dentro, um pescador arranjava as suas artes de pesca. Pedi-lhe para explicar o que pescava, como pescava e, obviamente, porque haviam portas no lado de fora de uma muralha?

A resposta foi pronta. Durante os raides alemães da segunda grande guerra, as famílias tinham de se esconder. Não podiam ficar em suas casas. Tiveram que escavar autênticos bunkers em todas as estruturas consolidadas de Malta onde, durante os três longos anos de cerco, os malteses se refugiram e, heroicamente, resistiram. Hoje, estes bunkers são casas de aprestos labirínticas, testemunhas de algumas das mais orgulhosas páginas da história deste povo que, por duas vezes, soube dizer “não” e resistir pelo que considerava correto.

No centro de La Valetta, na praça principal, há duas modestas placas que, por qualquer razão, me chamaram a atenção. Aproximei-me e li. Numa, o Rei Jorge de Inglaterra agradece aos malteses o heroísmo e devoção da sua resistência. Meia dúzia de metros mais à frente, na mesma parede, e com a mesma modéstia da anterior, Franklin Delano Rosevelt, enquanto Presidente dos Estados Unidos da América, reconhece ao povo de Malta o valoroso serviço à causa da liberdade e justiça muito para além do que seria espectável.

Malta, dizem, tem paisagens, tranquilidade, arte, cultura, tradições, desportos marinhos, vida noturna, e uma série de outras virtudes turísticas. Eu não tive oportunidade para experimentar estas virtudes e, mesmo assim, adorei. Em resumo: Malta, vale a pena!

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Ideias conjuntas

Foto: F Cardigos.

Tenho estado envolvido num dos processos mais enriquecedores da minha vida profissional. Como consequência da resolução da Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar ao propor uma nova Estratégia Nacional para o Mar, tenho estado envolvido ativamente na sua discussão pública. Nessa sequência, já estive nas ilhas do Pico, São Jorge, Graciosa e Santa Maria e, quando este artigo for publicado, já terá decorrido a sessão do Faial. Seguir-se-ão as restantes ilhas.
Para o processo de discussão têm sido convidados todos os interessados que podem transmitir as suas ideias em sessões que começam por uma pequena apresentação sobre a proposta de Estratégia e apresentações dadas por oradores especialmente convidados. O processo tem trazido à superfície imensas ideias sobre oportunidades de melhoria (incluindo novos investimentos) e algumas debilidades na proposta de Estratégia.
Dentro das oportunidades, a classe piscatória já identificou a possibilidade de inserção de novos projetos relacionados com as suas ambições enquanto estrutura profissional bem organizada. Também os cientistas têm feito observações pertinentes e outras plataformas de interesse têm demonstrado interesse e ideias bem estruturadas no que diz respeito ao uso que devemos dar ao mar.
Muitas vezes, durante os longos debates, a conversa descai um pouco para as componentes mais particulares. Isso não é negativo e tem-nos permitido passar do interesse pessoal para o seu reflexo ao mais alto nível do pensamento nacional. Raras vezes podemos ter essa oportunidade. Exemplificando, muitas pessoas e instituições têm-se queixado da falta de acessibilidade ao mar provocada pela burocracia, pelos longos e sinuosos processos de licenciamento (incluindo cartas de navegação) e pelos impostos a que estão sujeitas as embarcações de recreio. Tudo isto pode ser refletido na Estratégia Nacional para o Mar como barreiras a derrubar.
De entre as debilidades, eu tenho exteriorizado a importância de constar um capítulo que refira a organização interna do Estado e a clarificação da definição que é utilizada para o Princípio da Precaução. Mais especificamente, parece-me essencial que se detalhem as competências e obrigações de cada um dos atores do Estado no que diz respeito ao mar, dando uma maior evidência às competências regionais. Também me parece que a definição de Princípio da Precaução que refere que “a falta de conhecimento não pode justificar a falta de uso” é um erro básico e tem de ser corrigido. O Princípio da Precaução diz exatamente o contrário, ou seja, em caso de dúvida sobre os efeitos de uma medida, deve-se atuar no sentido conservativo. Podemos adotar ou não o Princípio da Precaução, mas não o podemos desvirtuar. Na minha opinião, devemos adotar este enorme valor da ecologia mundial e defini-lo corretamente.
Tudo isto pode acontecer se participarmos na consulta pública sobre a Estratégia Nacional para o Mar. É essencial que haja motivação suficiente para que se transformem as ideias de cada um em observações escritas e submetidas através da página internet dedicada ao processo. Não é difícil e, se o mar é importante para os açorianos, é essencial participar.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Contrastes n'América


Foto: F Cardigos.

Por razões profissionais, passei alguns dias da semana passada em Washington, DC. Foi uma visita curta, apenas de 22 a 24 de Abril. Três dias concentrados no Sustainable Oceans Summit. Nesta cimeira, assistiu-se essencialmente às indústrias marinhas a partilharem algumas das suas preocupações e a explorarem oportunidades neste mundo que, cada vez mais, lhes exige uma utilização responsável do planeta. Entre os participantes, encontravam-se governos, autarquias, unidades de investigação científica ligadas aos Estados, para além, claro está, dos próprios industriais. Aqui estiveram presentes representantes de geografias tão distantes como contrastadas eram as suas abordagens ao meio marinho, incluindo China, Austrália, Noruega e, claro está, com particular ênfase, os Estados Unidos da América. Mas o que me levou ao novo Continente e a participar neste evento?
Em primeiro lugar, queria verificar quais os últimos desenvolvimentos tecnológicos e que utilizações permitem estes fazer do meio marinho. No caso dos Açores, novos instrumentos que permitam o acesso e o uso do mar do largo e profundo são particularmente importantes. A este nível, nesta conferência estiveram presentes grandes utilizadores, instituições científicas ou grupos industriais como a BP, TOTAL, GILLS, World Aquaculture Society, entre dezenas de outros.
Uma das soluções apresentada, por exemplo, permite, ainda em microescala e em fase de teste, fazer a caracterização geológica de uma área sem recurso a emissores acústicos. Imagine-se o que seria se pudéssemos analisar as características geológicas do mar sem o recurso a barulho? Os cetáceos, em particular, ficariam particularmente gratos.
No entanto, as principais soluções apresentadas, já com aplicação prática, baseiam-se na integração coordenada e inteligente de informação para a tomada de decisão no meio marinho. Estas ferramentas recorrem a informação dispersa na chamada “nuvem” (“cloud”) e adaptam-na às necessidades dos diferentes utilizadores. As ferramentas são múltiplas e, cada uma delas, parece fazer mais qualquer coisa absolutamente imprescindível para o decisor responsável…
Ao mesmo tempo, nos Açores, na ilha do Faial, decorria uma reunião científica internacional do ICES (Comissão Internacional para a Exploração dos Mares) apoiada pelo Governo dos Açores. Nesta reunião fomos informados dos esforços que se estão a fazer na Nova Zelândia para começar a explorar o mar profundo, tendo em vista a extração de fosfatos a meio milhar de metros de profundidade. Já passaram, portanto, a fase de prospeção e estão prestes a iniciar a recolha de minérios no mar profundo. Atendendo aos interesses que se têm movimentado em volta dos recursos potencialmente existentes nos Açores, é um projeto a seguir com atenção. É mais um conjunto de desenvolvimentos tecnológicos importantes. Mas voltemos à América…
Nesta Cimeira foi possível estabelecer contactos com dezenas dos principais atores na área do planeamento e utilização do domínio marinho. Obviamente, a esse nível, foi particularmente importante verificar quais os possíveis parceiros para o uso do Mar dos Açores. Reuniões temáticas, como a denominada “Oceano Inteligente”, foram excelentes oportunidades para estabelecer essas pontes.
Também foi possível partilhar os desenvolvimentos efetuados nos Açores no domínio da conservação marinha e planeamento espacial  (como o Parque Marinho dos Açores) e do conhecimento científico (como o protagonizado pela Universidade dos Açores).
Esta cimeira foi, portanto, uma boa oportunidade para recolher informação, estabelecer bons contactos e mostrar e demonstrar o trabalho efetuado. Desta forma, reforçou-se a visibilidade dos Açores e catalisaram-se as relações com potenciais empreendedores.
Fora da conferência, apesar do tempo ter sido muito curto, ainda deu para verificar que Washington é uma cidade muito interessante. Aqui há mais de uma dezena de grandes museus e todos gratuitos. Apenas pude beneficiar de uma entrada relâmpago e saída meteórica em dois museus (história natural e exploração do ar e do espaço) e fiquei com a certeza que terei de voltar.
Para além disso, as breves conversas que fui mantendo na rua deram-me a conhecer um povo empenhado, otimista e competente. Pena apenas que ainda não tenham conseguido resolver o problema dos mendigos que se acumulam pelas ruas, pelas estações de metro e, em suma, por qualquer espaço onde haja abrigo.
Como é que é possível haver este enorme contraste entre uma nação de gente brilhante, em convívio quase resignado com um índice de pessoas muito pobres que diria ser superior ao de Lisboa ou de qualquer cidade portuguesa? Como me dizia um dos meus novos amigos americanos: “Ainda não conseguimos lidar com este problema.” Oxalá consigam. Para mim, nenhum país será grande se não conseguir proteger os seus próprios cidadãos da miséria e da exclusão social.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Investigação Marinha nos Açores


Anémonas da espécie Parazoanthus sp. fotografadas na coroa do Banco Princesa Alice.
Foto: F Cardigos.

Uma das discussões recorrentes no mundo académico, e particularmente entre os seus financiadores, diz respeito à dialética entre a investigação fundamental e a investigação aplicada. Normalmente, os académicos são mais sensíveis à necessidade da investigação dita fundamental e os financiadores, ávidos de resultados com expressão no desenvolvimento, estão particularmente atentos às possibilidades de aplicação imediata.
Como investigação fundamental cita-se habitualmente, para entender rapidamente o conceito, os estudos em matemática, em biologia descritiva, antropologia pré-histórica ou filosofia. Dificilmente imaginamos de algumas destas ciências sair, de imediato, alguma patente ou resultado com mais-valias económicas. No entanto, não há computadores que funcionem sem boa matemática, não há avanços no conhecimento evolutivo sem conhecimentos anatómicos detalhados, não nos conhecemos a nós próprios sem entender como aqui chegamos e nada disto funcionará sem os alicerces epistemológicos e morais associados à filosofia. Ou seja, não há ciências aplicadas sem as suas bases fundamentais.
Posto tudo isto, como se podem identificar as necessidades fundamentais e quais as ciências aplicadas a desenvolver? Manda a boa decisão política deixar os próprios cientistas identificarem os caminhos da investigação fundamental e reservar aos primeiros as perguntas necessárias para o desenvolvimento das ciências aplicadas. Portanto, neste momento, eu estou muito ligado à segunda parte da equação (ciências aplicadas) e menos à primeira (ciências fundamentais).
Apesar disso, não posso deixar de tecer algumas considerações. Nos Açores, faz-se investigação fundamental marinha que será, na minha opinião, fulcral para o nosso desenvolvimento abrangente, sustentado e responsável. Entre elas encontram-se os estudos em paleontologia e evolução, a taxonomia e a geologia.
Apenas com estudos paleontológicos que deem sequência ao esforço de anos feitos pelas equipas do Departamento de Biologia da Universidade dos Açores e seus convidados se poderá entender na totalidade o acervo que temos em Santa Maria. Esta ilha, que começou a crescer, sabe-se agora há 45 milhões de anos e que emergiu das águas há cerca de 8 a 12 milhões de anos, é o único local dos Açores que nos pode dar pistas sobre como se formou a vida no nosso arquipélago. Qual foi pois o contributo dos Açores para o desenvolvimento das espécies marinhas do planeta? Que espécies aqui viveram antes de nós? E porque desapareceram? Estas são perguntas muito interessantes e cujas respostas consubstanciarão a nossa própria existência.
O ramo da biologia que se encarrega de descrever as espécies, atribuindo-lhes nomes, toma o nome de taxonomia. Contam-se por poucos dedos os especialistas que, em cada grupo de espécies, têm a capacidade de fazer boas descrições. Com o advento da biologia molecular chegou a colocar-se em causa a necessidade destes especialistas, o que apenas os tornou ainda mais raros. Como se tem percebido ultimamente, são essenciais. É que apenas com este complemento se pode fazer com que a biologia molecular aplicada à sistematização das espécies, e estudos evolutivos relacionados, façam sentido. Estou a complicar… A biologia molecular pode analisar os genomas determinando a proximidade evolutiva entre dois ou mais organismos. No entanto, se não houver uma ciência descritiva, que associe esses números às características intrínsecas, de pouco nos servirão essas relações e proximidades genéticas. Nos Açores temos poucos taxonomistas. Um deles é o Professor Frias Martins e o seu trabalho tem sido coroado com a descrição de inúmeras espécies e o respeito da comunidade internacional ligada à malacologia (ciência que estuda os moluscos). Parece-me haver espaço científico para mais e, estou em crer, a necessidade que o legado deste investigador não fique sem escola ou, dito de outra forma, sem sucessores.
Quando se fala tão abundantemente da possibilidade de se virem a extrair minerais no mar profundo dos Açores, e parece-me que bem, é estranho que isso não seja acompanhado por um conhecimento profundo e detalhado da nossa geologia marinha. Até agora, têm sido essencialmente geólogos de fora do arquipélago a informar-nos do potencial e sensibilidade. Os nossos geólogos têm estado mais orientados para a investigação relacionada e lá está, aplicada, aos riscos geológicos (vulcões e terramotos), à geotermia, ao hidrotermalismo e à dinâmica costeira. É preciso mais e, parece-me, é preciso depressa.
De entre as várias ciências marinhas aplicadas e tentando intersecta-las com um futuro cluster marítimo dos Açores, parece-me que teremos de identificar as áreas de utilização do mar, tanto em termos reais como potenciais. Para além das já mencionadas, parece-me que tecnologias marinhas, o turismo, a engenharia costeira e a biologia pesqueira serão algumas áreas da ciência aplicada que deverão acompanhar-nos detalhadamente nos próximos anos.
Apenas se pode utilizar um meio tão hostil como o mar com ferramentas tecnológicas adequadas. Tal como os noruegueses já entenderam há muitos anos, essas ferramentas, para além de serem úteis localmente, têm a enorme vantagem de terem um mercado global onde poderão ser valorizadas.
O turismo do mar ainda está pouco desenvolvido nos Açores. É necessária análise científica que dote os decisores políticos com os cenários detalhados relacionados com a utilização equilibrada do mundo marinho. Queremos crescer, mas queremos que isso seja feito com inteligência, com respeito pelas populações locais e com sustentabilidade ambiental. Há que identificar nichos e falhas e alicerçar boas utilizações. Um curso de turismo não pode ser apenas de guias turísticos, embora eles sejam cruciais. Tem de haver uma ciência do turismo obviamente relacionada com um ordenamento territorial consequente. Países como a Costa Rica pediram aos melhores cientistas mundiais que pensassem o seu território e tiveram resultados extraordinários. Hoje, a Costa Rica é um país modelo. Tudo resultou do pensamento, do planeamento, da ação e da análise ou, resumindo, do seu desenvolvimento sustentável.
Num mundo ameaçado pelas alterações climáticas, em que as zonas de interseção entre o mar e a terra são consideradas as mais sensíveis, nos Açores conjuga-se o problema com a oportunidade. Se compararmos a nossa realidade com a de outros locais (o Continente, por exemplo), as nossas ilhas são uma imensa orla costeira. Para além das zonas de arribas, temos praias (de calhau rolado e areia) e temos portos. Todas estas zonas precisam da engenharia para resolver os problemas emergentes de um clima cada vez mais castigador e, aparentemente, associado a um mar crescente. Segundo alguns modelos, o nível médio das águas dos mares subirá até dois metros em 2100 o que, com os fatores cumulativos locais, pode significar subidas de onze metros. Não é o caso dos Açores, mas, mesmo com subidas de “apenas” dois metros, imaginem o que sucederá à maioria dos portos e marinas? Precisamos de ciência e precisamos dela rapidamente. Há que adaptar, melhorar e pensar bem nas novas infraestruturas.
Apesar de não ter escrito de forma hierárquica, chegamos agora à “última” ciência aplicada proposta. Num arquipélago que emprega milhares de pessoas na atividade da pesca, é fundamental ter uma ciência relacionada com a análise e avaliação dos mananciais, do potencial de pesca, da capacidade de carga e da determinação racional do esforço. É preciso utilizar os melhores modelos, estudar com os melhores cientistas e não perder a escola que já foi angariada pelo Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores. Apenas nos poderemos impor como decisores dos recursos vivos se tivermos acesso à melhor informação. E apenas nos poderemos impor desta forma porque a Comissão Europeia assim o exige e também porque moralmente apenas desta forma estaremos a agir de forma responsável.
Estas são algumas linhas com “cheiro” a futuro. É um futuro no qual eu quero participar até porque o aroma de futuro sustentável, que entregará um planeta melhor aos nossos filhos, é absolutamente irresistível.

* Biólogo-marinho, atualmente a exercer as funções de diretor regional dos Assuntos do Mar dos Açores.