Há uns meses atrás, na ilha das Flores, ouvi o senhor
vice-presidente da Câmara Municipal das Lajes discursar durante um evento sobre
o 14º Objectivo do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas organizado
pelo INATEL. Entre os diversos pontos que enalteciam a virtude da gestão
camarária, a certo ponto, passou-se para os números. Concentrei-me. Porque os
números são indicadores objectivos permitem-nos fazer um balanço justo e claro
da gestão. Disse ele então que o concelho de Portugal com melhor índice de
reciclagem de resíduos per capita era precisamente o das Lajes das
Flores e, complementou, estava muito bem acompanhados porque no segundo lugar
estava o concelho de Santa Cruz das Flores. Espectacular!
Ao ouvir estas palavras reflecti sobre a gestão de resíduos
nos Açores. De facto, a planificação estratégica feita há algum tempo e a sua
implementação nos últimos anos mudou radicalmente a forma como os resíduos são
tratados no arquipélago. O comportamento pessoal mudou, a recolha mudou, o
encaminhamento mudou e o destino final mudou. Um completo contraste com o que
se passa em Bruxelas, no que se refere à recolha.
Em Bruxelas, a maioria dos resíduos domésticos e comerciais
são deixados à porta de casa e das lojas em dias pré-definidos de acordo com a
sua tipologia e recolhidos passadas poucas horas. Frequentemente, os sacos
rompem-se e as ruas são invadidas por hordas daquilo que as pessoas não
quereriam ver dentro das suas próprias casas. Nos dias com algum vento, os
cartões esvoaçam rapidamente dando um aspeto caótico à cidade... De seguida,
com um dispêndio que não deve ser nada baixo, aparecem umas brigadas de
limpadores e varredores que tentam conter os danos. Em resumo, não há dia em
que eu não apanhe qualquer coisa do chão e vá meter no caixote do lixo mais
próximo. Não o faço por especial sentido cívico, mas sim porque é insuportável
ver jardins tão fantásticos e ruas com extraordinárias obras de arte polvilhadas
com garrafas de plástico ou guardanapos. "Chateia-me, pá..."
Será que há demasiado dinheiro para gerir esta cidade? Se
houver necessidade de alguma contenção, então que se invistam em mais ecopontos
e institua-se a sua utilização. A recolha porta a porta funciona em pequenas
comunidades que sejam particularmente atentas e responsáveis.
Para além disso, aqui em Bruxelas há um conjunto de regras
que excluem dos "amarelos", que aqui são "azuis", muitos
dos plásticos. Apenas as embalagens podem ir para reciclagem. Recuso-me a
cumprir, mas posso mesmo ser multado! Imagine-se isto na dita capital da
Europa...
Há uns dias atrás, ao sair de casa na ilha do Faial, reparei
que os vidros dos carros tinham presos nos limpa pára-brisas um panfleto de
anúncio a um espectáculo de striptease. Achei curioso, até porque não
era coisa que esperasse ver em plena cidade da Horta. Um jovem à minha frente,
longe de achar curioso, ficou furioso pela sugestão que lhe tinham colocado no
carro. Tirou o panfleto, amarrotou-o irritadamente e mandou-o para o chão. De
imediato, peguei no panfleto, dobrei-o para não causar demasiado embaraço, e
fui-lhe entregar dizendo "compreendo a revolta, mas não no chão."
Ele, com enorme fair-play, concordou dizendo "tem toda a
razão". Era o que mais faltava, voltar aos Açores e, nos poucos dias que
cá estou, ver lixo pelo chão. Já basta Bruxelas!
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