A panóplia de línguas que ouvimos constantemente em Bruxelas
é absolutamente fascinante. Tanto por aproximação à nossa língua (italiano e
castelhano), pelo seu exotismo (grego e alemão) ou por as ter aprendido na
escola (inglês e francês), há sete línguas que consigo identificar facilmente,
mas o mesmo não acontece com as outras 17 que se falam oficialmente no
Parlamento Europeu. A estas, acrescentem as línguas não oficiais, as línguas
dos visitantes e os dialectos de cada comunidade e, penso eu, facilmente
compreenderão porque considero que encontrei a Babilónia em Bruxelas.
Uma viagem de elevador é uma extraordinária aventura.
Começamos por tentar entender a língua de quem vai conversando e, depois,
tentamos, pelos gestos e pelo gracejar, entender qual será o tema em causa. Por
vezes, uma expressão comum, tipo "Cristiano Ronaldo", faz-nos
adivinhar o sentido da discussão. No entanto, é muito habitual não entender nem
o tema nem sequer vislumbrar a língua. Tenho tentado fazer associações musicais
para, pelo menos, entender qual a área europeia. Gostava de perceber se estou a
ouvir romeno ou croata, maltês ou gaélico ou outras do meu grupo das exóticas
como o finlandês ou húngaro. Nada feito. Continuam a existir as línguas que
identifico e as outras. E as outras são mesmo muitas...
Com esta complexidade linguística, facilmente se entende que
tanto os intérpretes como os tradutores são imprescindíveis em todas as
instituições europeias. Resultado da complexa e dificilmente explicável
organização das Instituições Europeias, os tradutores estão colocados no
Luxemburgo e, por isso, pouco convivemos. Apenas damos por eles quando
encontramos um ou outro erro de tradução e temos de sugerir correcções.
Já com os intérpretes é bem diferente. Eles acompanham os
trabalhos onde quer que estejam os deputados europeus, tal como nós, os
assistentes parlamentares. Muitas vezes, damos as intervenções antecipadamente
aos intérpretes para garantir uma boa transmissão da mensagem nas diferentes
línguas e é frequente entregar-lhes documentos de contexto para preparação de
visitas ou debates. No entanto, onde mais se interage com os intérpretes é nas
viagens de comboio entre Bruxelas e Estrasburgo, para onde nos deslocamos para
participar nas sessões plenárias. Estas viagens e as
conversas que se estabelecem entre nós são uma oportunidade para ficarmos a
conhecer as particularidades desta profissão.
Uma das coisas que mais me fascinou foi saber que raramente
os intérpretes aprendem algo durante o seu trabalho. Não, não é por serem
políticos a falar... Longe disso. O que se passa, explicaram-me, é que o
cérebro está demasiado ocupado a garantir a tradução e a entender o contexto
para conseguir fixar a mensagem em si. Outros disseram-me que os intérpretes
desenvolvem em particular a memória de curta duração. No início do período de
trabalho ainda retêm alguma coisa, mas depois, com o avançar do dia, começam a
não fixar nada do que se fala. Explicaram-me também que muitas das mensagens
são muito pesadas do ponto de vista emotivo e que, por isso, o cérebro tem que
se abstrair do significado. Sim, ponho-me a pensar, o que diria o meu cérebro
se tivesse de facilitar a transmissão da mensagem xenófoba da Marine Le Pen...
Depois, explicaram-me também, é muito difícil entender todos
os dialetos de certas línguas. Por exemplo, alguns dos galegos recusam-se a
falar castelhano e preferem fazê-lo naquilo que anunciam como português.
Estando supostamente a falar português, os intérpretes ficam condenados a ter
que lidar com aquele estranho português e os participantes portugueses nas
reuniões a tentar perceber o galego, já que os intérpretes portugueses não
podem interpretar de alegado-português para português. É que, simplesmente, o
galego não é português, por muito que os galegos o queiram... Para tentar
ultrapassar estas situações, os intérpretes têm formações colectivas e, mesmo
durante os debates, vão-se entreajudando. Neste caso em particular, do
deputados que insistem em falar galeg... português!, os intérpretes portugueses
vão auxiliando os restantes colegas.
Numa das últimas viagens de comboio conheci o chefe dos
intérpretes portugueses. A seu cargo tem, entre muitas outras coisas, a
definição dos intérpretes que participam em cada missão parlamentar. Segundo
ele, o momento mais exigente para os intérpretes estrangeiros, que já consta
nos anais das crónicas não oficiais do Parlamento Europeu, aconteceu numa
visita aos Açores! Apesar das características linguísticas e fonéticas do nosso
arquipélago, tudo corria bem até que... chegaram a Rabo de Peixe. Ao
enfrentarem a comunidade piscatória, todos os intérpretes ficaram bloqueados,
incluindo os portugueses!
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