É evidente que a saudade da família e dos amigos, a
distância ao mar e às confortantes referências pessoais são factores que pesam,
mas há algumas vantagens em viver grande parte do tempo deslocado longe de casa
e no centro da Europa. Uma delas é a facilidade de aceder a muitos países e,
desta forma, conviver com culturas diferentes e outras formas de ver o mundo.
Seja por razões de trabalho ou aproveitando um final de semana mais comprido, é
frequente os habitantes de Bruxelas cruzarem fronteiras e experimentarem a
diversidade europeia.
Na última semana estive na Roménia, mais precisamente em
Constanta, tendo brevemente passado por Bucareste. Constanta é uma cidade
costeira do Mar Negro, em que uma parte significativa dos seus 350 mil
habitantes presta serviços a um dos grandes portos europeus. Há diversas
universidades generalistas com campus em Constanta e duas escolas superiores,
uma pública e outra privada, totalmente dedicadas à marinharia.
Estive em Constanta para participar num congresso
internacional sobre o Mar Negro. O meu objectivo principal era compreender um
pouco mais quais as soluções para um espaço marítimo que está sob uma enorme
pressão em termos de exploração e poluição e mesmo militar. Não se vivem tempos
fáceis no Mar Negro. Essencialmente por haver um evidente distanciamento
político entre a Rússia, por um lado, e a Ucrânia, a União Europeia e a
Turquia, por outro, não há nenhuma opção milagrosamente fácil. O caminho será
espinhoso e tortuoso. Outra coisa não seria de esperar depois da anexação da
Crimeia... No entanto, como quase sempre acontece quando os desafios são
elevados, há um conjunto de pessoas dedicadas que tentam encontrar saídas para
situações que são, sem dúvida, muito complicadas. Assim, notei que as pessoas
com quem falei querem encontrar caminhos equilibrados, tendo em conta os
aspectos geopolíticos, os relacionados com as pescas, com os transportes
marítimos e com a poluição oriunda das indústrias costeiras.
Fora do congresso, em Constanta, vi pessoas acolhedoras,
empenhadas nas suas profissões e curiosas em relação ao seu futuro e à vida
integrada na União Europeia. Fazendo em alguns aspectos lembrar Portugal a meio
dos anos 80, as duas cidades que visitei, Bucareste e Constanta, estão a entrar
rapidamente num modo de vida assente na propriedade privada e na competição,
mas ainda assente numa estrutura e organização com nítidas reminiscências do
período comunista. Vemos instalações eléctricas desajustadas do mundo
desenvolvido e novas empresas a ocupar espaços em prédios envelhecidos e
pavilhões decadentes, alguns, aparentemente, à beira de ruir a qualquer
momento. No entanto, aquilo que mais me fascinou foi a vida. As pessoas estão
optimistas e dinâmicas, com uma energia que faz inveja à indiferença e ao
cinzentismo que vemos em outros pontos da Europa.
A certo ponto, decorreu, como normalmente, o jantar formal
do congresso. Depois de terminadas as entradas, fiquei surpreendido por a
música ambiente estar tão alta. Olhei para a pessoa que estava sentada ao meu
lado, o responsável pelo organismo científico que ajuda a determinar as
possibilidades de pesca no Mar Negro e Mediterrâneo, e disse-lhe que,
infelizmente, dado o barulho, não conseguíamos falar. Ele olhou-me, riu-se
educadamente e perguntou-me “mas quem é que quer conversar?!”. Ia ficar
ofendido, mas percebi de imediato o que ele queria dizer. Todos os
participantes locais já estavam no espaço central da sala a dançar e a pular,
contagiando os restantes a integrar as danças romenas, gregas e búlgaras. Foram
pacientemente explicando aos estrangeiros cada um dos passos, mas sem qualquer
preocupação com o sucesso dos seus esforços. Eles queriam dançar e queriam que
todos participassem, sem qualquer preocupação com os aspectos estéticos do
resultado final. O ideal para desastrados da dança como eu. No entanto, tudo
aquilo foi evoluindo ao longo do jantar e, depois da sobremesa, enquanto se
esperava pelo café já se ouvia e dançava, imagine-se, heavy metal… Eu vi
septuagenários a dançar música do grupo Paulista “Sepultura”. Inacreditável…
Para os que conhecem, imaginem um filme do Sérvio Emir
Kustirica em que um conjunto de pessoas corre alegremente pela cidade,
contagiando tudo e todos, e uma incansável banda de música os segue atrás. É
isto. Na Roménia, durante o dia, todos são sérios e empenhados, mas, quando o
sol se põe (e talvez isso explique parte das histórias da Transilvânia), há uma
saudável transfiguração para pessoas cheias de vida e transbordantes de
energia!
No avião de regresso a Bruxelas, conheci um camionista
Romeno que voltava ao seu trabalho no norte da Europa, mais precisamente à
Noruega. Depois de conversarmos um pouco, diz-me ele que “a Noruega é muito
organizada, mas se eu tivesse uma proposta de trabalho na Roménia a ganhar um
quarto do que ganho em Bergen, mudava já e sem hesitação”. Depois de três dias
na Roménia, sinto que consigo entende-lo perfeitamente.
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