Tartaruga Caretta caretta no Mar dos Açores
Foto: Sónia Mendes ImagDOP
Foto: Sónia Mendes ImagDOP
Há mais de duas dezenas de anos
atrás, um bom amigo e reconhecido cientista dizia-me que tinha encontrado uma
tartaruga morta e que, para seu espanto, quando lhe fez a necrópsia, reparou
que este animal, apesar da nítida subnutrição, tinha o estômago cheio, mas
cheio de sacos de plástico. Referia ele de forma que todos entendêssemos, “esta
tartaruga morreu de fome com a barriga cheia”. Aparentemente, já então concluíamos,
as tartarugas confundiam os plásticos com o seu alimento, as alforrecas, e, não
conseguindo digerir ou excretar o plástico, morriam por falta de alimento.
Então, o que me preocupava, não entendendo o alcance do que estava à minha
frente e de forma até um pouco egoísta, era que, se o número de tartarugas começasse
a diminuir, teríamos mais águas vivas (alforrecas) o que dificultaria os meus
passeios subaquáticos. Na realidade, esse era o menor dos problemas…
Estes plásticos perdidos nas
águas começaram a matar tartarugas de diversas formas. Mas não é só este o
impacto. A sua progressiva degradação,
sabe-se hoje, transforma-os em microplásticos. Estes pequenos detritos são
consumidos pelo plâncton, a base da maioria das cadeias alimentares marinhas,
fazendo com que estes pequenos organismos, também eles, morram por subnutrição
ou, noutros casos, reduzam tanto a sua condição que, apesar de não morrerem,
deixam de ter as características necessárias para servirem de verdadeiro
alimento para os níveis tróficos superiores. Ou seja, simplificando, estivemos,
em tempos idos, à beira de extinguir as grandes baleias por as perseguirmos e
matarmos e, hoje, podemos estar a ameaçá-las reduzindo assustadoramente a
qualidade do seu alimento.
A solução é conhecida. Há que
reequacionar a utilização de todos os plásticos, reduzir o seu uso, privilegiar
o uso de plásticos que permitam reutilização, reciclá-los caso não se possam
reutilizar, e, em último caso, incinerá-los para produzir energia. Nos dias de
hoje, por diversas razões, o depósito de plásticos em aterro é impensável e o
seu arremesso para as linhas de água ou para os oceanos é um ato criminoso.
Nesta linha de pensamento, a
Comissão Europeia lançou recentemente uma proposta legislativa que limita muito
o plástico de uso único (cotonetes, palhinhas e outros). Ao mesmo tempo, o
Reino Unido, que está em vias de sair da União Europeia, já anunciou medidas
similares, o mesmo acontecendo na cidade de Seattle (Estados Unidos). A Índia
quer ir mais longe e pretende banir o uso de diversos tipos de plástico.
Como um exemplo simples de reação
individual, refiro o café onde costumo ir tomar o pequeno-almoço quando estou
em Bruxelas. Este estabelecimento já anunciou aos seus clientes que irá
descontinuar o uso de palhinhas. As bebidas servidas no café já não têm palhinhas
de qualquer tipo e as bebidas para levar terão palhinhas de algas ou de
baunilha, ficando a escolha ao critério do consumidor.
Em relação à procura de soluções
para o plástico que já prolifera pelos mares, tem havido diversas iniciativas
mais ou menos visionárias. Desde o “comedor” de plástico de Boyan Slat ao simples
apoio financeiro aos pescadores e outros profissionais dos mares que recolherem
plásticos flutuantes, estão em cima da mesa dezenas de soluções.
Para os céticos, relembro que a
humanidade já conseguiu lidar com problemas sem aparente solução nas mais
diversas frentes. Já nos livramos do fascismo durante a segunda guerra mundial,
já reduzimos drasticamente o buraco do Ozono e já nos livrámos do alcatrão
flutuante. Todos eram problemas sem solução e cá estamos.
Somos uma espécie brilhante e o
problema dos plásticos na água, tal como o aquecimento global, ambos com os
hidrocarbonetos fósseis em comum, são problemas interligados e com solução. Há
apenas que arregaçar as mangas e resolver!
Plastics, microplastics and other hydrocarbons
Sea-turtle Caretta caretta tied by gost net.
photo: F Cardigos
photo: F Cardigos
More than two dozen years ago a good friend and
recognised scientist told me that he had found a dead turtle and, to his
astonishment, when he performed a necropsy he noticed that this animal, despite
its malnutrition, had a full stomach. Full of plastic bags... "This turtle
died of starvation with a full belly", he concluded in a way that we all
understood.
Apparently, turtles confuse plastics with their
food, jellyfish, and, unable to digest or excrete it, they die from starvation.
What worried me at that point, not understanding the full consequences of what
was in front of me, was that if we started to reduce the number of turtles we
would have more jellyfish which would make my underwater excursions difficult.
In fact, this was the least of the problems...
These lost plastics kill turtles in different
ways. But there is more to the issue than that. The progressive degradation of
plastics, it is known today, turns them into microplastics. These small debris
are consumed by plankton, the basis of most marine food chains, again causing
these small organisms to starve or, in other cases, to worsen their condition to
a point that, although alive, they no longer have the characteristics necessary
to serve as true food for higher trophic levels. In other words, we have been
on the verge of extinguishing the great whales by chasing and killing them and,
today, we may be threatening them by alarmingly reducing the quality of their
food.
The solution is known. It is necessary to reconsider
the use of all plastics, to reduce their use, to favour the use of plastics
that allow reuse, to recycle them if they cannot be reused, and, as a last
option, to incinerate them to produce energy. Nowadays, for various reasons,
the deposit of plastic in landfill is unthinkable and throwing it to the water
lines or to the oceans is a criminal act.
In this line of thinking, the European
Commission has recently launched a legislative proposal that greatly limits
single-use plastic (swabs, straw and others). At the same time, the United
Kingdom, which is about to leave the European Union, has announced similar
measures, and so did Seattle (USA). India wants to go even further and intends
to ban the use of various types of plastic.
The coffee shop where I usually go to have breakfast
when I am in Brussels has already informed its customers that they will
discontinue the use of plastic straws. The drinks they serve in the shop do not
have straws of any kind and the drinks to take away will have straws of algae
or vanilla.
Concerning the plastic that already
proliferates in the seas, there have been several initiatives more or less visionary.
From Boyan Slat's plastic "eater" to the simple financial support for
fishermen and seaman who collect floating plastics, dozens of solutions are on
the table.
For the sceptical people, I recall that
humanity has been able to deal with problems with no apparent solution in a
large variety of domains. We got rid of fascism during World War II, we got rid
of most of the ozone hole and we got rid of the floating tar, just to mention
three examples in different areas. All were problems without solution and here
we are.
We are a brilliant species and the problem of
plastics in the water, such as global warming, are problems interconnected by
hydrocarbons and with solution. We just have to roll up our sleeves and do it!
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