Estátua do Imperador Carlos V
Foto: F Cardigos
Recentemente, tomei conhecimento da
obra de Luís Filipe Thomaz dedicada a compreender o último feito de Fernão
Magalhães, a primeira circum-navegação. Fiquei estarrecido ao saber que,
afinal, Fernão Magalhães não tinha qualquer propósito de dar a volta ao mundo
quando deixou terras ibéricas. Deixo os detalhes para a obra do historiador e
apenas saliento a seguir o que me parece mais importante.
Lemos nesta obra que o extraordinário
navegador português se ofereceu ao imperador Carlos V, não para fazer a circum-navegação,
mas sim para confirmar a posição das possessões castelhanas no Pacífico e por
uma rota que evitasse grande parte das zonas controladas pelos portugueses em
África e na Ásia. Foi por essa razão que torneou a América pelo Sul e se lançou
Oceano Pacífico adentro.
O ponto essencial é que ele iria
tentar regressar pela mesma rota que tinha seguido até aí. Isso apenas não
aconteceu porque morreu nas Filipinas e quem lhe sucedeu, Sebastian Elcano, que,
não sabendo tanto de navegação, não arriscou voltar para trás através do grande
e desconhecido oceano. A história, na totalidade, é fascinante e vale mesmo a
pena ler o livro de Luís Filipe Thomaz. Para o que me interessa nesta crónica,
podemos ficar por aqui. Fernão Magalhães ficou para a história por algo que não
tinha intenção de fazer e que não fez: circum-navegar o planeta Terra.
Jacques II de Chabanes ou Senhor
de La Palice foi um filósofo que, em toda a sua vida, passou o tempo a dizer
coisas muito sensatas e óbvias. Depois de falecer, o seu trabalho passou a ser usado
por todos sempre que se querem referir a algo evidente. Mentira! Como mentira?!
Todos nós já ouvimos políticos a dizer para algo óbvio “O senhor de La Palice
não diria melhor!” ou “Caro colega, isso é uma La Paliçada”, quando pretendem
minorar a afirmação de um adversário por ser evidente. Onde está afinal a
verdade?
A verdade é que o Senhor de La
Palice foi, na realidade, um valente guerreiro que combateu ferozmente sob as
ordens de três reis de França e morreu com bravura, já como marechal, no campo
de batalha. “E, no entanto”, como
alguém afirmou com toda a razão, ”o
Senhor de La Palice nada disse”. O que aconteceu é, na minha opinião,
verdadeiramente extraordinário.
Depois de morrer, como acontecia
então com os heróis de guerra de França, o corpo foi transportado de Pavia, em
Itália, até Paris com escolta militar. Os seus homens dedicaram-lhe um longo
poema que cantaram durante a viagem. Tudo se complica no final dessa longa
poesia, tão longa como a idade e os feitos do Senhor de La Palice: “Hélas La Palice est mort, Il est mort devant
Pavie, Un quart d'heure avant sa mort, Il faisait encore envie”. Repare-se,
o que está escrito é que um quarto de hora antes de morrer, ainda causava
inveja. Que mais poderia ser dito em homenagem a um grande guerreiro? Pouco
antes de morrer ainda se batia com tal valentia que causava inveja!
Acontece que, o tempo muito
rapidamente se encarregou de trocar as últimas palavras que passaram a ler-se “… Un quart d'heure avant sa mort, Il serait
encore en vie” ou um quarto de hora antes da sua morte estava ainda vivo.
Passamos de uma honra militar para uma evidência e o Senhor de La Palice, que
nada disse, passou a ser referido cada vez que alguém diz uma evidência óbvia,
passe o pleonasmo; algo que ele, eventualmente, nunca terá feito.
Deve haver outros casos de
pessoas que se tornaram conhecidas por algo que nunca fizeram. Aliás, há sempre
a tendência de vangloriar os que partem, apagando o menos bom. No entanto,
penso que dificilmente alguém chegará ao contraste de Fernão Magalhães e do
Senhor de La Palice. Foram seres humanos com vidas extraordinárias, plenos de
valor e factos pelos quais devem ser recordados, excepto por aquilo por que
todos os reconhecemos habitualmente.
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