quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Crónicas de Bruxelas – 79: Acabar com os monopólios planetários estimulando as alternativas europeias

 
Jardim Leopoldo, no exterior do Parlamento Europeu.
Foto: Frederico Cardigos

Há uns dias escrevi que era necessário apoiar as empresas de sucesso europeias. Pode parecer um pouco contraditório, mas não. Temos de passar do simples sucesso ao mercado global. Hoje, dada a globalização e a falta de competição, as empresas ascendem com aparente facilidade a monopólios planetários muito pouco saudáveis.

Há diversos exemplos e não me quero estender ou tornar-me entediante, mas, apenas para estimular a curiosidade, será que quem me lê sabe qual é o sítio internet mais popular? Fácil, é o Google. E o segundo? Um pouco mais difícil, mas também se chegava lá. É o Youtube. Estes dois gigantes da internet têm muitas características curiosas. Uma destas características é que pertencem aos mesmos donos (Alphabet) e a outra, também muito curiosa, é que têm mais visitas do que todas as outras vinte empresas mais visitadas somadas. Apenas o Facebook se aproxima e, mesmo assim, a uma enorme distância destes gigantes.

Até aqui referi o nome de três empresas e um grupo. Qual a característica comum entre eles? São todos norte-americanos.

E é isto. Analisando as empresas que dominam a internet, temos empresas ou organizações norte-americanas ou orientais. Entre as 13 mais visitadas, podemos encontrar apenas duas europeias e ambas russas. Ou seja, da União Europeia ou mesmo do Espaço Económico Europeu? Zero! Como é possível?! Como podemos estar a falhar tanto naquilo que diz respeito à globalização? A resposta é complexa e não inclui a falta de apoios financeiros. Para as grandes empresas de sucesso, os sistemas financeiros têm as soluções adequadas. No entanto, a resposta para esta falha europeia inclui a falta do estabelecimento de metas e objetivos ambiciosos de alto nível, a falta de cultura de empreendedorismo e a falta de educação para lidar com o risco, o erro e a falha. Tudo isto é verdade, mas agora quero dissertar sobre outros dois grandes problemas: legislação e burocracia.

Para estimular as soluções arrojadas e disruptivas, temos de dar espaço à criatividade e à liberdade. Ao cair na tentação de tudo legislar, quartamos qualquer atividade que não esteja antecipadamente prevista. Desta forma, nós estamos a criar barreiras à inovação. Para o resolver, há que dar mais espaço à liberdade e, mesmo, ao risco e ao erro.

Como resultado da última vez que demos algum espaço ao vazio legal nasceu o Spotify (um dos poucos casos de sucesso informático europeu), sendo este herdeiro dos sistemas peer to peer que vingaram no início dos anos 2000. Explicando um pouco melhor, até ao final do século XX a maioria das pessoas ouvia música através da rádio e de dispositivos gravados como cassetes e discos (ambos com vários suportes e leitores). Com o aparecimento da partilha de ficheiros online, através de programas peer to peer, como o Napster ou o Kazaa, o público mais jovem passou a massivamente ouvir música a partir do computador via internet. Uma pessoa partilhava o ficheiro de música num sítio internet e os interessados iam a esse sítio ouvir ou descarregar o ficheiro MP3 gratuitamente. Evidentemente, os direitos de autor eram vergonhosamente atropelados.

Relativamente a estes sítios internet, nascidos da falta de legislação que os limitasse ou ordenasse, rapidamente se percebeu que promoviam a injustiça, penalizando os autores que assim perdiam os seus direitos, e foram terminados. No entanto, o rasto do sucesso da partilha de ficheiros de música promoveu a ideia de o fazer ordenadamente e legalmente.

Nós, europeus, ficámos com a música, apesar da concorrência saudável da Apple. Sim, a concorrência leal e legal é sempre saudável, já a falta dela... No rasto dessa partilha de ficheiros online, os norte-americanos estão claramente a ganhar a batalha do vídeo (Netflix, HBO e Amazon).

Mais do que remoer por que estamos a perder o streaming de vídeo, apetece-me enaltecer estarmos na frente no áudio. Ou seja, podemos ser bons e podemos liderar. Falta-nos libertar dos sistemas napoleónicos de governação que tudo querem prever e legislar. Ao contrário, temos de dar liberdade aos inovadores e dar espaço aos empreendedores. Criemos e sejamos férreos em regras de alto nível: “não fazer mal” (um dos motes da Google, diga-se), “respeitar os direitos humanos”, “proteger os trabalhadores”, “proteger o ambiente”, “pagar impostos” (coisa em que somos peritos em falhar no que diz respeito às grandes empresas), “cumprir as leis e regras já estabelecidas” e pouco mais. Em caso de necessidade, deixemos a interpretação dos detalhes para o bom senso e para a justiça. Como nos sistemas anglófonos, acompanhemos construtivamente quem tem boas ideias, atuando onde precisam para irem mais longe, estejamos disponíveis para equacionar as regras que os próprios empreendedores pedirem, para, por exemplo, dar a estabilidade legal suficiente. Depois, fiscalizemos a posteriori, e aí sem piedade. Quem se aproveitar ilegalmente da liberdade dada deve ser altamente penalizado.

Quero ilustrar um pouco mais o que se passa em termos de legislação e burocracia excessiva na Europa. Quando estive ligado à investigação científica calculei que 30% do tempo pago para investigação era, na realidade, usado em burocracia. Entre relatórios trimestrais, anuais e finais, justificação de despesas fatura a fatura e acompanhamento dos fiscais da União Europeia (“auditores”, em europês) usava-se 30% do tempo (e dinheiro, claro) que era dado para a investigação. Mas… Obviamente, o financiamento era dado para investigar e não para a burocracia associada. Então como fazer?! Simples, trabalhava-se mais. Qualquer investigador em Portugal e nos outros países da União Europeia, naqueles anos, trabalhava 130% do tempo previsto e obtinha bons resultados científicos. Era assim e faziam-no apaixonadamente. No entanto, não era vida! Trabalhar sem a respetiva remuneração devia ter ficado fechado a sete chaves no tempo em que havia escravidão. Não é para os dias de hoje na União Europeia que queremos construir!

Claro que era muito mais simples atribuir os apoios de acordo com os objetivos estabelecidos e, no final, verificar o cumprimento desses objetivos. Se tiverem sido atingidos ou excedidos, o processo ficaria fechado. Que me interessa, enquanto cidadão europeu, se o cientista comprou um pacote de pastilhas elásticas porque sofre de dores de ouvidos nas viagens de avião, como tristemente vi auditarem? O que me interessa é que os cientistas descubram rapidamente a vacina para a covid-19! Focar no importante e deixar os preciosismos de lado.

Felizmente, entretanto, melhorou e já não se exige tanta burocracia aos cientistas. Mas o bichinho carpinteiro no legislador continua a existir. O que se passava na investigação científica arrasta-se tristemente a todas as atividades. Há uma enorme tentação em complicar o que é simples e de desconfiar de todos os seres humanos.

Nesta aproximação alternativa, no caso de não terem sido atingidos os objetivos propostos na sequência de qualquer apoio europeu haveria que ser muito agressivo na fiscalização. Esse seria o procedimento lógico e é por aí que temos de ir no futuro. Refiro apoios, mas, na realidade, isto deve ser aplicado a todos os níveis. Nós não podemos ficar reféns dos super-burocratas e das pessoas complicadas. Mas há tantas…

Ou seja, em resumo, há que reforçar as administrações para garantir o acompanhamento sinergético dos investimentos, garantir a regulação, incluindo a orientada para o mercado financeiro onde já falhámos diversas vezes, garantir a fiscalização incisiva no caso de alguma anomalia real ou potencial, reforçar a competência e celeridade da justiça e garantir a existência de excelentes legisladores que criem as regras necessárias para que as novas ideias possam proliferar em segurança. O brio do legislador deveria ter também por premissa não limitar ou complicar os direitos e liberdades exceto se absolutamente necessário. Afirmam alguns legisladores que a liberdade pode aumentar o risco social. Ou seja, se as empresas estiverem mais limitadas haverá menor probabilidade de acontecer um qualquer acidente. É verdade, mas se mantivermos este caminho dificilmente teremos inovação e empreendedorismo disruptivo. Por exemplo, com as nossas regras europeias, alguém crê que a Uber poderia ter nascido na Europa? Impossível!

Hoje, uma parte muito significativa do comércio mundial, incluindo das nossas PME, está nas mãos da Amazon. Qual a alternativa europeia?! É grave. Temos que aprender em casa, mas as plataformas de vídeo que usamos são o Teams, Zoom, Skype, WebEx, GotoMeeting… Europeias? Não.

Estamos na véspera de novas revoluções, como o Hidrogénio, o Mercado de Carbono, a Inteligência Artificial e outras que nem imaginamos nos nossos mais recônditos sonhos. Que fazer? Vamo-nos enredar em legislação ou estimular o nosso próprio sucesso assente em liberdade? Portanto, desburocratizemos. Assumamos que há algum risco e, com responsabilidade individual e coletiva, vivamos em plenitude a aventura da vida!

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