Há uns dias escrevi que era necessário apoiar as empresas de
sucesso europeias. Pode parecer um pouco contraditório, mas não. Temos de
passar do simples sucesso ao mercado global. Hoje, dada a globalização e a
falta de competição, as empresas ascendem com aparente facilidade a monopólios
planetários muito pouco saudáveis.
Há diversos exemplos e não me quero estender ou tornar-me
entediante, mas, apenas para estimular a curiosidade, será que quem me lê sabe qual
é o sítio internet mais popular? Fácil, é o Google. E o segundo? Um pouco mais
difícil, mas também se chegava lá. É o Youtube. Estes dois gigantes da internet
têm muitas características curiosas. Uma destas características é que pertencem
aos mesmos donos (Alphabet) e a outra, também muito curiosa, é que têm mais
visitas do que todas as outras vinte empresas mais visitadas somadas. Apenas o
Facebook se aproxima e, mesmo assim, a uma enorme distância destes gigantes.
Até aqui referi o nome de três empresas e um grupo. Qual a
característica comum entre eles? São todos norte-americanos.
E é isto. Analisando as empresas que dominam a internet,
temos empresas ou organizações norte-americanas ou orientais. Entre as 13 mais
visitadas, podemos encontrar apenas duas europeias e ambas russas. Ou seja, da
União Europeia ou mesmo do Espaço Económico Europeu? Zero! Como é possível?!
Como podemos estar a falhar tanto naquilo que diz respeito à globalização? A
resposta é complexa e não inclui a falta de apoios financeiros. Para as grandes
empresas de sucesso, os sistemas financeiros têm as soluções adequadas. No
entanto, a resposta para esta falha europeia inclui a falta do estabelecimento
de metas e objetivos ambiciosos de alto nível, a falta de cultura de
empreendedorismo e a falta de educação para lidar com o risco, o erro e a
falha. Tudo isto é verdade, mas agora quero dissertar sobre outros dois grandes
problemas: legislação e burocracia.
Para estimular as soluções arrojadas e disruptivas, temos de
dar espaço à criatividade e à liberdade. Ao cair na tentação de tudo legislar, quartamos
qualquer atividade que não esteja antecipadamente prevista. Desta forma, nós estamos
a criar barreiras à inovação. Para o resolver, há que dar mais espaço à
liberdade e, mesmo, ao risco e ao erro.
Como resultado da última vez que demos algum espaço ao vazio legal
nasceu o Spotify (um dos poucos casos de sucesso informático europeu), sendo
este herdeiro dos sistemas peer to peer
que vingaram no início dos anos 2000. Explicando um pouco melhor, até ao final
do século XX a maioria das pessoas ouvia música através da rádio e de
dispositivos gravados como cassetes e discos (ambos com vários suportes e leitores).
Com o aparecimento da partilha de ficheiros online,
através de programas peer to peer,
como o Napster ou o Kazaa, o público mais jovem passou a massivamente ouvir
música a partir do computador via internet. Uma pessoa partilhava o ficheiro de
música num sítio internet e os interessados iam a esse sítio ouvir ou
descarregar o ficheiro MP3 gratuitamente. Evidentemente, os direitos de autor
eram vergonhosamente atropelados.
Relativamente a estes sítios internet, nascidos da falta de
legislação que os limitasse ou ordenasse, rapidamente se percebeu que promoviam
a injustiça, penalizando os
autores que assim perdiam os seus direitos, e foram terminados. No entanto, o
rasto do sucesso da partilha de ficheiros de música promoveu a ideia de o fazer
ordenadamente e legalmente.
Nós, europeus, ficámos com a música, apesar da concorrência
saudável da Apple. Sim, a concorrência leal e legal é sempre saudável, já a
falta dela... No rasto dessa partilha de ficheiros online, os norte-americanos estão claramente a ganhar a
batalha do vídeo (Netflix, HBO e Amazon).
Mais do que remoer por que estamos a perder o streaming de vídeo, apetece-me enaltecer
estarmos na frente no áudio. Ou seja, podemos ser bons e podemos liderar.
Falta-nos libertar dos sistemas napoleónicos de governação que tudo querem
prever e legislar. Ao contrário, temos de dar liberdade aos inovadores e dar
espaço aos empreendedores. Criemos e sejamos férreos em regras de alto nível:
“não fazer mal” (um dos motes da Google, diga-se), “respeitar os direitos
humanos”, “proteger os trabalhadores”, “proteger o ambiente”, “pagar impostos”
(coisa em que somos peritos em falhar no que diz respeito às grandes empresas),
“cumprir as leis e regras já estabelecidas” e pouco mais. Em caso de
necessidade, deixemos a interpretação dos detalhes para o bom senso e para a
justiça. Como nos sistemas anglófonos, acompanhemos construtivamente quem tem
boas ideias, atuando onde precisam para irem mais longe, estejamos disponíveis
para equacionar as regras que os próprios empreendedores pedirem, para, por
exemplo, dar a estabilidade legal suficiente. Depois, fiscalizemos a posteriori, e aí sem piedade. Quem se
aproveitar ilegalmente da liberdade dada deve ser altamente penalizado.
Quero ilustrar um pouco mais o que se passa em termos de legislação
e burocracia excessiva na Europa. Quando estive ligado à investigação
científica calculei que 30% do tempo pago para investigação era, na realidade,
usado em burocracia. Entre relatórios trimestrais, anuais e finais, justificação
de despesas fatura a fatura e acompanhamento dos fiscais da União Europeia (“auditores”,
em europês) usava-se 30% do tempo (e dinheiro, claro) que era dado para a
investigação. Mas… Obviamente, o financiamento era dado para investigar e não
para a burocracia associada. Então como fazer?! Simples, trabalhava-se mais.
Qualquer investigador em Portugal e nos outros países da União Europeia,
naqueles anos, trabalhava 130% do tempo previsto e obtinha bons resultados
científicos. Era assim e faziam-no apaixonadamente. No entanto, não era vida! Trabalhar
sem a respetiva remuneração devia ter ficado fechado a sete chaves no tempo em
que havia escravidão. Não é para os dias de hoje na União Europeia que queremos
construir!
Claro que era muito mais simples atribuir os apoios de acordo
com os objetivos estabelecidos e, no final, verificar o cumprimento desses
objetivos. Se tiverem sido atingidos ou excedidos, o processo ficaria fechado.
Que me interessa, enquanto cidadão europeu, se o cientista comprou um pacote de
pastilhas elásticas porque sofre de dores de ouvidos nas viagens de avião, como
tristemente vi auditarem? O que me interessa é que os cientistas descubram
rapidamente a vacina para a covid-19! Focar no importante e deixar os
preciosismos de lado.
Felizmente, entretanto, melhorou e já não se exige tanta
burocracia aos cientistas. Mas o bichinho carpinteiro no legislador continua a
existir. O que se passava na investigação científica arrasta-se tristemente a
todas as atividades. Há uma enorme tentação em complicar o que é simples e de desconfiar
de todos os seres humanos.
Nesta aproximação alternativa, no caso de não terem sido
atingidos os objetivos propostos na sequência de qualquer apoio europeu haveria
que ser muito agressivo na fiscalização. Esse seria o procedimento lógico e é
por aí que temos de ir no futuro. Refiro apoios, mas, na realidade, isto deve
ser aplicado a todos os níveis. Nós não podemos ficar reféns dos super-burocratas
e das pessoas complicadas. Mas há tantas…
Ou seja, em resumo, há que reforçar as administrações para
garantir o acompanhamento sinergético dos investimentos, garantir a regulação, incluindo
a orientada para o mercado financeiro onde já falhámos diversas vezes, garantir
a fiscalização incisiva no caso de alguma anomalia real ou potencial, reforçar
a competência e celeridade da justiça e garantir a existência de excelentes
legisladores que criem as regras necessárias para que as novas ideias possam
proliferar em segurança. O brio do legislador deveria ter também por premissa
não limitar ou complicar os direitos e liberdades exceto se absolutamente
necessário. Afirmam alguns legisladores que a liberdade pode aumentar o risco social.
Ou seja, se as empresas estiverem mais limitadas haverá menor probabilidade de
acontecer um qualquer acidente. É verdade, mas se mantivermos este caminho
dificilmente teremos inovação e empreendedorismo disruptivo. Por exemplo, com
as nossas regras europeias, alguém crê que a Uber poderia ter nascido na
Europa? Impossível!
Hoje, uma parte muito significativa do comércio mundial,
incluindo das nossas PME, está nas mãos da Amazon. Qual a alternativa europeia?!
É grave. Temos que aprender em casa, mas as plataformas de vídeo que usamos são
o Teams, Zoom, Skype, WebEx, GotoMeeting… Europeias? Não.
Estamos na véspera de novas revoluções, como o Hidrogénio, o Mercado
de Carbono, a Inteligência Artificial e outras que nem imaginamos nos nossos
mais recônditos sonhos. Que fazer? Vamo-nos enredar em legislação ou estimular
o nosso próprio sucesso assente em liberdade? Portanto, desburocratizemos. Assumamos
que há algum risco e, com responsabilidade individual e coletiva, vivamos em
plenitude a aventura da vida!
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