sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Crónicas de Bruxelas - 78: Made in Europa!

 


A crise consequente à pandemia de covid-19 fez soar diversos alertas. Um deles foi a falta de alguns produtos essenciais no velho continente. De repente, vimo-nos reféns dos países de mão de obra barata.

Aquilo que parecia um movimento internacional sinergético e estratégico, em que a União Europeia conservava as indústrias tecnológicas melhor remuneradas e em que permitia que economias emergentes beneficiassem do monopólio dos restantes produtos, revelou-se um desastre. Perante a carência global de máscaras, reagentes para testes médicos e outros, com legitimidade, os países produtores reservaram para si grande parte destes produtos.

Correu mal. No país onde trabalho, na Bélgica, por falta de reagentes não foi possível realizar testes à covid-19 em número minimamente adequado. Sem saber quem tinha contraído o vírus, tornou-se impossível controlar os diferentes focos, a doença proliferou e chegou aos locais mais sensíveis, como os lares de terceira idade. Este país passou a deter o triste título de maior número de mortes por habitante no planeta Terra. Outros países da União Europeia tiveram problemas similares o que terá, obrigatoriamente, de nos fazer pensar, planear e agir!

É necessário dar um passo atrás e definir que produtos estratégicos terão de ser produzidos na Europa, mesmo que isso nos custe mais. É uma questão de sobrevivência. Não podemos voltar a ficar reféns de países terceiros, vendo o caos a instalar-se nos nossos territórios e, impotentes, ver sofrer e morrer aqueles a quem mais queremos bem. Nunca mais!

Noutra vertente, hoje, enquanto escrevo estas linhas, a União Europeia ainda não tem uma aplicação para telemóvel que rastreie os contactos de proximidade e alerte em caso de contração da doença. Como é possível?! É evidente que as nossas legítimas exigências em termos de respeito pela privacidade são diferentes das da China ou das da Coreia do Sul, mas, tanto tempo…? Ainda por cima, a solução encontrada, e que países como Portugal estão a utilizar, tem por base aplicações da Apple e da Google. Faz isto sentido?! Num continente que tem a Tom-Tom, excelente em soluções de mapeamento, e a Nokia, excelente em software para plataformas móveis, por que razão o, potencialmente, mais importante instrumento de saúde tem de ter por base empresas norte-americanas?! Nada contra os Estados Unidos da América, antes pelo contrário, mas nós temos de ter a nossa autonomia, independência e soberania também no que diz respeito à Saúde.

Alargando o campo de observação, as maiores empresas do mundo são quase todas norte-americanas ou orientais. Segundo uma lista a que tive acesso, das vinte gigantes tecnológicas mais valiosas, apenas uma é europeia (trata-se da “SAP”, uma empresa alemã). De entre as 20 maiores plataformas de mensagens ou redes sociais, zero têm sede na União Europeia. Como foi isto possível?!

É necessário fortalecer as boas empresas globais que temos, como a Airbus, Spotify, Unilever, IKEA, Lego ou as da indústria automóvel, e estimular o empreendedorismo europeu para criarmos alternativas em termos de sistemas operativos, soluções móveis, equipamentos para a internet das coisas, reativar os têxteis, o calçado, recursos minerais, a comida e todos os produtos relacionados com a saúde. Não podemos continuar retraídos, apostando apenas na componente social das pequenas e médias empresas, como tem sido feito. É importante, mas muito limitado para a nossa própria segurança coletiva. 

No início da pandemia, em tempo record, a Comissão Europeia conseguiu repatriar 600 mil europeus que estavam bloqueados em países terceiros, no período em que cessaram a maioria dos voos comerciais internacionais. Repare-se, é o mesmo que, de repente, evacuar um país do tamanho do Luxemburgo. Foi uma importante tarefa e desempenhada com nível de excelência. Precisamos destes impulsos positivos e proativos!

Na minha opinião, da mesma forma que a Comissão Europeia geriu bem as pontes aéreas que se instalaram para rapidamente repatriar cidadãos europeus, tem de ser consequente, competente e inspiradora para o que se seguirá. Há que fazer um plano que seja orientador e estimulante para a indústria europeia. Isto diz respeito a matérias primas e produtos manufaturados, mas também a serviços e até a redes sociais. Não bastam palavras soltas. É preciso um extraordinário plano com potencial para ser entusiasticamente seguido pelos diferentes níveis de governação e todas as partes interessadas da União Europeia.

Ao mesmo tempo, é absolutamente crucial que os cidadãos europeus compreendam que, também eles, fazem parte da mudança. É essencial que nos disponibilizemos para comprar europeu, mesmo que isso custe mais caro. Se queremos continuar a ter segurança social, proteção civil, educação e boa qualidade de vida em geral, quando pensarmos em adquirir o novo telemóvel, o novo carro ou o novo computador temos de pensar “Europa”!

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