Como todos nós, tenho seguido com
atenção a evolução da pandemia de covid-19. Depois do enorme choque inicial, em
que as unidades de cuidados intensivos de alguns hospitais da China e da Itália
ficaram bloqueados pelo acréscimo de doentes e tiveram de ser feitas escolhas
que fizeram entrar em pânico os médicos daqueles países, entrou-se na desejada
fase de gestão da evolução da pandemia.
Tal como foi dito desde o início
pelos cientistas sérios, o vírus continua connosco, não houve curas milagrosas,
a vacina ainda não está disponível e o essencial continua a ser gerir os
números de infetados para que não se voltem a bloquear as unidades de cuidados
intensivos. Graças a uma aprendizagem construtiva e permanente, hoje sabemos,
dia a dia, qual é a evolução da doença, o que permite aos políticos informadamente
introduzir medidas ou retirar restrições. Ao mesmo tempo, há uma melhor
capacidade técnica para lidar com a doença, o que tem feito descer os números
de mortes per capita, mesmo com
um aumento significativo do número de casos registados por dia.
Tal como as autoridades de saúde e
políticas têm responsabilidades enormes na gestão da pandemia, ao comum dos
cidadãos, como eu, é solicitado algum esforço. Esse esforço deve-se
materializar no seguir rígido das regras variáveis em vigor e em cumprir quatro
preceitos: (1) lavar as mãos com frequência; (2) respeitar algum distanciamento
social; onde isso não for possível, (3) usar máscara; e (4) usar a aplicação
telemóvel para rastreamento de contactos próximos. Perante o enorme desastre
económico e social em que esta pandemia se ameaça materializar, estes quatro
pontos não me parecem ser um enorme desafio. Consigo lidar com todos eles e vou
sensibilizando quem me está próximo para fazer o mesmo.
Um dos pontos que mais confusão parece
fazer à generalidade das pessoas é o uso voluntário da aplicação no telemóvel.
Para além das teorias da conspiração que, de tão deslocadas não me merecem
comentário, há muitas pessoas legitimamente preocupadas com a partilha de dados
em linha. Ou seja, apesar de não ser nada de particularmente importante e de
ser inutilizável em termos comerciais ou legais, ao usar a aplicação de
rastreamento haverá mais dados a circular na internet. Não quero entrar em
detalhes técnicos, mas quero apenas frisar que o sistema Android, que 86% da população
mundial utiliza de forma nativa nos seus telemóveis, recolhe e partilha com os
seus parceiros comerciais muito mais informação pessoal numa hora do que jamais
será recolhida pela aplicação usada em Portugal para rastrear contactos.
Algumas das pessoas que vejo a
hesitar na utilização voluntária da StayawayCovid não piscam os olhos para usar
o Google maps, esse sim, devorador de dados pessoais. Então, qual o porquê da reticência
em usar a aplicação de rastreio? Não sei a resposta. Aquilo que sei é que se a
aplicação for usada pela generalidade da população será muito mais fácil
detetar os casos chamados assintomáticos e, com isso, ajudar efetivamente a
controlar a propagação da doença. Para mim, a verdadeira questão não é usar ou
não a aplicação, mas sim porque demorou tanto tempo a estar disponível.
Algumas pessoas dizem-me que não usam
voluntariamente a aplicação de rastreio de contactos porque estão fartas das
ordens do regime e das tentações capitalistas. Estas mesmas pessoas dizem-me
que querem lutar contra as tiranias do Estado e das multinacionais e… imaginem,
propagam e organizam a sua ação através do Twitter! Não usam o StayawayCovid,
uma aplicação que apenas serve para avisar as pessoas se estiveram recentemente
próximo de alguém com a doença e que respeita o Regulamento Geral de Proteção
de Dados da União Europeia, mas espalham as suas preferências políticas e
filosóficas num sistema comercial que vive da venda dessa informação. Custa-me
muito a compreender…
Ao escrever estas linhas, pensei que
era muito simpático ter um exemplo recente desta utilização dos dados pessoais
por parte de redes sociais. No mesmo momento caiu a seguinte notícia no meu
Google Chrome: “Facebook avisa que poderá
ter de sair da União Europeia caso seja proibido de partilhar dados com os EUA”
na sequência de “regulador de privacidade na
Europa pretende proibir o Facebook de transferir dados de utilizadores”
(Observador, 21 de setembro). Ou seja, o Facebook, que todos usamos
quotidianamente, recolhe e exporta dados pessoais para outro continente e isso
não preocupa a maioria dos cibernautas, mas a informação anódina e irrelevante
que nos avisa se houver um contacto com uma pessoa infetada, isso sim, levanta
preocupações. Não me faz qualquer sentido.
O uso voluntário da aplicação StayawayCovid
parece-me ser uma decisão de básica sensatez. Dito isto, sou contra a obrigatoriedade
da sua utilização. O Estado deve evitar intrometer-se nas decisões privadas e nos
esforços pessoais voluntários. Deve explicar as vantagens do uso da aplicação, publicitar
mesmo esses benefícios e estimular positivamente a sua utilização, mas jamais
impor.
Penso que há um esforço pessoal a
fazer para ultrapassarmos este período difícil que, neste momento, se materializa
nos quatro pontos que menciono atrás. O que é mais difícil? Cumprir aquelas
quatro regras ou ver alguém que nos seja próximo a sofrer com a doença e a economia
a colapsar? Para mim, é tão simples que não hesito um segundo!
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