Senhor Mário Frayão junto ao navio de investigação francês "Pourquois pas?"
Foto: F. Cardigos
Um dia, estando eu envolto numa terrível situação, procurei o
Senhor Mário Frayão no sítio habitual. Precisava da generosidade das suas
palavras. Por uma incrível sequência de acontecimentos, não nos encontrámos
imediatamente e, pela primeira vez, senti a dor que me provocaria o dia em que
partisse. Aqui está. Chegou o dia.
É difícil descrever a tristeza que se sente, o que nos vai na
alma no momento em que sabemos que um verdadeiro amigo partiu. Custa-me resumir
o que é grande e complexo, mas sinto que realmente perdi um pouco de mim com a
má notícia que me acabaram de dar.
Tenho, neste momento, a nítida sensação que não termino na
dimensão limitada do meu corpo, mas que me projeto no éter e todos os meus
amigos são também parte de mim, como se fossemos todos um. A partida do Senhor
Mário Frayão afeta-me fisicamente. Uma parte de mim partiu também. Olho para
este pedaço abruptamente decepado e vejo apenas memórias. Vazio, silêncio,
respeito, solenidade, ternura... saudade!
O Senhor Mário Frayão, entre muitas outras coisas, foi o
grande fundador deste jornal, o Tribuna das Ilhas. Foi ele que convidou a
maioria dos cooperantes que, ainda hoje, fazem parte da Cooperativa que sustenta
o único semanário da ilha do Faial. É a ele que devemos, também
financeiramente, a existência desta publicação. Uma entre muitas coisas que nos
deixou este Grande Senhor da Ilha Azul.
Quando ele e eu nos sentávamos no Peter ou no Bar da Marina,
ou qualquer outro local da cidade da Horta, mas invariavelmente ao domingo de
manhã, semana após semana, o Senhor Mário contava-me histórias da sua incrível
vida. Ele sentia especial orgulho pelos tempos em que andou de câmara de
projetar ao ombro a exibir filmes nas Flores, num tempo em que a maioria das
pessoas daquela ilha não tinham ainda tido a oportunidade de ver cinema. Para
além da reação e do prazer das pessoas, preocupou-o e marcou-o a difícil vida
dos florentinos.
Por razões nada edificantes para os responsáveis, o Senhor
Mário teve que partir da ilha do Faial depois da Revolução dos Cravos. Durante
anos viveu no Continente e sempre sem grande apego à vida que levou nos
arredores de Lisboa. Raramente me falava desses tempos. Digo eu, estava apenas
a tomar fôlego para voltar à cidade da Horta que ele amava da mesma forma
abrupta, enérgica, proativa e comprometida como quando declamava os poemas de
Vítor Rui Dores sobre a cidade-Mar.
Do meu lado, ele exigia-me que lhe falasse do oceano, da
biologia dos animais marinhos e do futuro. Pedia-me que desse o mote para
conversas sobre futuros plausíveis e, comentando ora um ora o outro,
construímos cenários sustentáveis para a energia, o turismo, a agricultura e a cultura.
Como o Senhor Mário Frayão gostava de cultura… do Conservatório, de música…
Nos dias em que tínhamos tempo, após a degustação do
pequeno-almoço, partíamos para um passeio pelos arredores da cidade. Aí,
algumas das suas aventuras ficavam ilustradas geograficamente e, em cada local,
projetávamos imaginários parques, bairros e jardins. Dois “jovens” a imaginar
dias vindouros nas paisagens idílicas que generosamente a ilha do Pico dá à
ilha do Faial.
As suas memórias mais emotivas eram sempre dirigidas à sua
esposa, que partiu muito antes dele. Com um carinho reverente, dizia-me que era
a sua confidente, a pessoa que sempre o entendia e que se sentia absolutamente
perdido sem ela. Ao longo dos anos, pareceu-me, foi encontrando nalguns familiares
mais próximos e amigos o substituto possível para a dor e para a ausência.
Agora, hoje, soube que se juntaram novamente… É a fórmula de
que abuso para amenizar a minha própria dor.
Até sempre Mário Frayão, o Grande Senhor da Ilha Azul!
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