sexta-feira, 9 de outubro de 2020

O Grande Senhor da Ilha Azul!

 

Senhor Mário Frayão junto ao navio de investigação francês "Pourquois pas?"
Foto: F. Cardigos

 

Um dia, estando eu envolto numa terrível situação, procurei o Senhor Mário Frayão no sítio habitual. Precisava da generosidade das suas palavras. Por uma incrível sequência de acontecimentos, não nos encontrámos imediatamente e, pela primeira vez, senti a dor que me provocaria o dia em que partisse. Aqui está. Chegou o dia.

É difícil descrever a tristeza que se sente, o que nos vai na alma no momento em que sabemos que um verdadeiro amigo partiu. Custa-me resumir o que é grande e complexo, mas sinto que realmente perdi um pouco de mim com a má notícia que me acabaram de dar.

Tenho, neste momento, a nítida sensação que não termino na dimensão limitada do meu corpo, mas que me projeto no éter e todos os meus amigos são também parte de mim, como se fossemos todos um. A partida do Senhor Mário Frayão afeta-me fisicamente. Uma parte de mim partiu também. Olho para este pedaço abruptamente decepado e vejo apenas memórias. Vazio, silêncio, respeito, solenidade, ternura... saudade!

O Senhor Mário Frayão, entre muitas outras coisas, foi o grande fundador deste jornal, o Tribuna das Ilhas. Foi ele que convidou a maioria dos cooperantes que, ainda hoje, fazem parte da Cooperativa que sustenta o único semanário da ilha do Faial. É a ele que devemos, também financeiramente, a existência desta publicação. Uma entre muitas coisas que nos deixou este Grande Senhor da Ilha Azul.

Quando ele e eu nos sentávamos no Peter ou no Bar da Marina, ou qualquer outro local da cidade da Horta, mas invariavelmente ao domingo de manhã, semana após semana, o Senhor Mário contava-me histórias da sua incrível vida. Ele sentia especial orgulho pelos tempos em que andou de câmara de projetar ao ombro a exibir filmes nas Flores, num tempo em que a maioria das pessoas daquela ilha não tinham ainda tido a oportunidade de ver cinema. Para além da reação e do prazer das pessoas, preocupou-o e marcou-o a difícil vida dos florentinos.

Por razões nada edificantes para os responsáveis, o Senhor Mário teve que partir da ilha do Faial depois da Revolução dos Cravos. Durante anos viveu no Continente e sempre sem grande apego à vida que levou nos arredores de Lisboa. Raramente me falava desses tempos. Digo eu, estava apenas a tomar fôlego para voltar à cidade da Horta que ele amava da mesma forma abrupta, enérgica, proativa e comprometida como quando declamava os poemas de Vítor Rui Dores sobre a cidade-Mar.

Do meu lado, ele exigia-me que lhe falasse do oceano, da biologia dos animais marinhos e do futuro. Pedia-me que desse o mote para conversas sobre futuros plausíveis e, comentando ora um ora o outro, construímos cenários sustentáveis para a energia, o turismo, a agricultura e a cultura. Como o Senhor Mário Frayão gostava de cultura… do Conservatório, de música…

Nos dias em que tínhamos tempo, após a degustação do pequeno-almoço, partíamos para um passeio pelos arredores da cidade. Aí, algumas das suas aventuras ficavam ilustradas geograficamente e, em cada local, projetávamos imaginários parques, bairros e jardins. Dois “jovens” a imaginar dias vindouros nas paisagens idílicas que generosamente a ilha do Pico dá à ilha do Faial.

As suas memórias mais emotivas eram sempre dirigidas à sua esposa, que partiu muito antes dele. Com um carinho reverente, dizia-me que era a sua confidente, a pessoa que sempre o entendia e que se sentia absolutamente perdido sem ela. Ao longo dos anos, pareceu-me, foi encontrando nalguns familiares mais próximos e amigos o substituto possível para a dor e para a ausência.

Agora, hoje, soube que se juntaram novamente… É a fórmula de que abuso para amenizar a minha própria dor.

Até sempre Mário Frayão, o Grande Senhor da Ilha Azul!

 

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