Cheguei a Bruxelas para trabalhar no
Parlamento Europeu em setembro de 2014. A missão era ser assistente parlamentar
acreditado do então eurodeputado Ricardo Serrão Santos. O mundo era diferente e
eu era diferente.
No mundo, o Reino Unido participava
na construção da União Europeia, a eleição de Trump parecia uma piada de mau
gosto ao nível dos desenhos animados “The Simpsons” e as trevas do Estado
Islâmico davam os primeiros horríveis passos como organização separada da
al-Qaeda. Passados estes anos, o Reino Unido saiu da União Europeia, o pior
presidente dos EUA saiu da liderança dos Estados Unidos com ainda menos glória
do que aquela com que entrou e os resquícios do Estado Islâmico definham, ainda
de forma tenebrosa, no Norte de Moçambique, no interior da Nigéria e,
ocasionalmente, um pouco por toda a Europa.
Em 2014, ao chegar a Bruxelas, fiquei
fascinado com a babilónia linguística, com a tolerância entre os povos europeus
e com o processo democrático da União que se consubstanciava animadamente dentro
do Parlamento Europeu. Nada disto mudou, apesar do enorme desafio trazido pela
pandemia de covid-19. O complexo processo democrático da União Europeia é
levado a sério e com protagonistas de primeira água, sejam aqueles com que
simpatizamos mais ou de que estamos politicamente mais próximos, ou os
restantes. Podemos não concordar, mas todos os que têm a legitimidade do voto,
do mandato ou da competência técnica podem chegar-se à frente e apresentar os
seus argumentos. Que ninguém me diga o contrário porque eu estava lá e vi.
Quando em 2017 passei para o “outro lado”,
ou seja, quando deixei o lado da decisão legislativa e engrossei a fileira da
sensibilização, passando a coordenar o Gabinete dos Açores em Bruxelas, entrei
num outro mundo. Aqui encontrei pessoas híper empenhadas na missão de defender os
seus países, as suas regiões, a sua área de trabalho ou as suas preferências.
Vi pessoas com belíssimos argumentos com uma determinada orientação e outras,
sobre o mesmo tópico, a tecerem considerações imbatíveis em sentido
diametralmente oposto. Mais fascinante ainda, vi como estas pessoas souberam encontrar
as soluções ou os meios caminhos que permitem, a todo o momento, ir construindo
a União Europeia.
A belíssima arte da boa política
enche a cidade de Bruxelas, quer dentro das instituições europeias, quer fora.
Aqui, milhares de pessoas juntam-se todos os dias para digladiar os seus argumentos.
Vi pessoas a ganhar discussões e outras
a perdê-las. Mas todos com o respeito de um civilizado cumprimento final,
muitas vezes, acompanhado de um amigável copo numa das esplanadas da Praça do
Luxemburgo. São estes os segredos mais conhecidos de Bruxelas: a competência, a
tolerância e a curiosidade pela diversidade de pensamento. “Unida na Diversidade”,
é a divisa da União Europeia.
Já conhecia a cidade de Bruxelas
desde há dezenas de anos. Sabia que aqui iria encontrar boa música, boa comida
e acesso a um enorme manancial de cultura. Agora posso adicionar os sorrisos, a
solidariedade e a épica predisposição para dar orientações aos mais perdidos
(um dos apanágios da cidade de Bruxelas).
Logo que me foi possível, passei a
relatar parte das minhas experiências e emoções naquilo que chamei “Crónicas de
Bruxelas”. Em 94 artigos publicados na imprensa regional fiz a revista do que
me agradava mais e menos e salientei oportunidades e desafios que por aqui
nasciam. Relatei algumas viagens pela Europa e outras pelos confins da cidade.
Foi um período bonito da minha vida e
em que aprendi imenso. Agora, fecho as malas e parto. Levo no coração todos os
habitantes desta cidade que tão bem me souberam receber. Ao longo destes seis
anos e meio nunca senti a mínima má vontade e realço que entender o meu francês
nem sempre é fácil... Isto para não falar do meu flamengo ou do meu alemão (as
outras duas línguas oficiais do Reino da Bélgica)…
Após estes anos, estou convicto que os
bruxellois saberão sempre bem
receber todos os que aqui vierem trabalhar ou passear. Para os quem estiverem
hesitantes, digo com ênfase e entusiasmo: vão!
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