sexta-feira, 14 de maio de 2021

Voo do Cagarro - 2: Há vidas…

 

Hedy Lamarr in Wikipedia.

Ao acordar fui ver as notícias da manhã no telemóvel, uma prática que tenho há muitos anos e que não recomendo de todo. Os acordares devem ser suaves e com um bom pequeno almoço, não com uma indigestão de más notícias. No meu caso, o trabalho a isso obriga.

Olhando para o vil e cruel dispositivo de comunicação, deparo-me com uma mensagem alertando para a necessidade de efetuar uma atualização do software associado à segurança do Wi-Fi. Um cérebro mal dormido faz perguntas tolas e, neste caso, não foi exceção… “Que raio quer dizer “Wi-Fi”?”. Pesquisei e, em três tempos, tinha a anódina resposta: “wireless fidelity”. Não fiquei mais feliz com a resposta.

No entanto… e a verdadeira aventura do conhecimento começou aqui… havia um apontador que dizia “os torpedos auxiliam a invenção do Wi-Fi”. “Torpedos, submarinos, submarinos, mar, mar é a minha profissão… Se calhar, devia aprender mais sobre isto… Como é que os torpedos se relacionam com um dos protocolos de comunicações mais usado? Queres ver que o mar está por trás disto?” O meu cérebro lutava para acordar e para fazer algum sentido de tudo aquilo.

Comecei pelo inesperado início: Hedy Lamarr era uma senhora austríaca, judia, convertida ao catolicismo por insistência do primeiro marido. Atriz antes do casamento, o marido proibiu-a de continuar a representar. Depois de fugir de forma engenhosa de um casamento que a privava da sua liberdade na sua terra natal, tornar-se-á uma atriz de nível planetário em Hollywood.

Mas Hedy Lamarr não era apenas uma actriz de renome. Desde a mais tenra idade que se interessava por “engenhocas”. Mais tarde, ao mesmo tempo que triunfava nas telas, alimentou o seu espírito inventivo com soluções que se revelariam de extrema utilidade muitos anos mais tarde.

No início da Segunda Guerra Mundial, em conjunto com o seu pianista, George Antheil, procurava formas de comunicação que evitassem a destruição dos torpedos radio-comandados usados pelos Aliados. Hedy tinha adquirido um certo conhecimento sobre diferentes tecnologias utilizadas em armamento na altura do seu primeiro casamento, sendo o seu primeiro marido um fabricante de armas. Da tempestade de ideias acabou por nascer o conceito de "sinais em frequência aleatória" (frequency-hoping spread spectrum) , que tornaria mais difícil intercetar ou mesmo adulterar as comunicações. A Marinha de Guerra dos Estados Unidos, a quem propuseram o conceito, não compreendendo o potencial daquela ideia e considerando-a irrealizável,  pô-la precocemente de lado. Muitos anos mais tarde, o conceito de "sinais em frequência aleatória" foi repescado e hoje serve de base à segurança dos protocolos de comunicação usados no Wi-Fi, GPS e Bluetooth.

 Os seus anos finais não foram felizes. Entre os processos judiciais em que se envolveu, o isolamento e a incompreensão, Hedy Lamarr acabou, de forma voluntária, fisicamente distante de todos. Como é fácil de compreender, consequência do seu legado, a sua história não acabou com a sua morte no ano 2000 e o reconhecimento tardio veio na forma de um prémio - o Pioneer Award of the Electronic Frontier Foundation.

Ao contrário do que pensei, a minha história não parou no mar. Acabou realmente distante. Parou no céu. Hedy Lamarr é hoje o nome de uma estrela no nosso céu. Uma estrela que saiu das telas e saltou para o universo…

Rendi-me. Adormeci de novo e sonhei com estrelas construídas com base no melhor engenho humano.

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