Muito provavelmente, já terei referido que um dos livros que mais me agradou ler foi o “Um Deus Passeando Pela Brisa da Tarde” escrito por Mário de Carvalho. A descrição dos ambientes romanos na Lusitânia sempre me fizeram sonhar, talvez porque se cruzem com a minha meninice do sul do Ribatejo. Os entardeceres pintalgados por um vento fraco, constante, cortante e quente, o coaxar de batráquios e os sons de insetos, a enorme luz e a ausência de vivalma são algumas das características que procuro em cada desejado regresso a estas paisagens, sejam elas no Ribatejo ou no Alentejo.
Neste quadro, Mértola é uma
exceção. Dificilmente se pode esperar encontrar em
Mértola o sossego bucólico
do Alentejo. Aqui, nesta vila, a dinâmica é dada pelo relevo, pelo rio e, principalmente,
pela história.
A vila de Mértola acompanha um
monte que sobe desde o rio Guadiana até que, no seu apogeu, se encontra com o
castelo altaneiro. Nota-se que estamos longe das amplas planícies alentejanas. Aqui
respira-se o vale do Guadiana.
Lá em baixo, o rio corre devagar,
é certo, mas está permanentemente a ser utilizado por canoístas, banhistas, turistas,
pescadores… Eu sei lá… Muita gente!
Há muitos anos atrás, ainda
adolescente, desci este rio de semirrígido com familiares e a impressão com que
fiquei foi bem diferente. Então, o rio sofria agressões de poluição constantes;
agora vi peixes a saltar durante todo o tempo que estive nas águas e, sobre
nós, algumas aves tentavam usufruir daquelas iguarias. Talvez ainda haja problemas
com a qualidade da água, mas nada tem a ver com o que observei anteriormente.
Melhorou e muito. Este Alentejo está bem vivo!
Na minha opinião, no entanto,
aquilo que dá agitação a Mértola é a sua História e a capacidade para a contar.
Não se espere que os transeuntes e que a generalidade dos empregados de
restaurantes e hotéis saibam as histórias da História da vila. Não sabem.
Fruto de anos de estudo em escavações
arqueológicas, os funcionários dos museus, incluindo os museus a céu aberto,
dão boas explicações sobre o que está na nossa frente. Através destes fiquei a
saber que a ocupação humana daquele território recua, pelos menos, até ao neolítico.
Mas o ponto alto da História local foi a transição entre o período romano e o
muçulmano. Fiquei espantado ao compreender que, nesse tempo, Mértola era tão
importante que chegou a ser, por duas vezes, a capital de um principado (Taifa
de Mértola).
O início do estudo sistemático da
História de Mértola remonta ao final dos anos 70 do século passado. Desde
então, com altos e baixos, as academias universitárias, apoiadas pelas autarquias
e pelo Estado, têm investido num percurso que desenclausurou um passado
extraordinário. Para o futuro, já foram estabelecidas novas parcerias que irão
alargar o âmbito da ciência feita em Mértola às áreas da agricultura e da
biologia. O objetivo essencial, em termos práticos, é que os terrenos agrícolas
e o rio passem a garantir a segurança alimentar da vila.
Estive novamente em Mértola há
uns dias atrás. Ao entardecer, soprou uma brisa ligeira. Em frente, já do outro
lado do rio, um outro monte escondeu, brevemente, uma lua linda e cheia. Foi
bom parar e olhar para o horizonte, ali pertinho, e ter a oportunidade de ver nascer
a lua num entardecer revigorante. Não seria verdade, mas senti-me tão em paz
que seria capaz de jurar que havia um Deus por ali…
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