Se tivesse que fazer uma lista de
cidades que mais gosto, haveria imensas abordagens possíveis. As mais sérias,
relacionadas com os direitos humanos, o ambiente e o património, ou as mais
ligeiras, como as relacionadas com o humor ou a gastronomia. Para a descontração
deste artigo, irei abordar pelo ponto de vista da doçaria de sobremesa.
Não posso dizer que conheça
“muito mundo”, mas, do que vi por aí fora, não há melhor doçaria que em
Portugal. Um amigo observou, com pertinência, que o meu gosto é condicionado
pela minha vivência e, por essa razão, tendo a preferir o que está mais perto.
Apesar de compreender o ponto de vista, a verdade é que, muitas vezes, ao falar
com estrangeiros, os nossos doces são amplamente elogiados. E não são apenas os
pastéis de nata ou a sua variante alfacinha de Belém.
Enfim, seja por razões culturais
egocêntricas ou por ser realmente verdade, para mim, a doçaria portuguesa é a
melhor do universo! Portanto, não venham com donuts ou tiramisus. Mesmo as
bolas de Berlim, que não é um doce português, ganham outro sabor quando são
cozinhadas numa pastelaria de Lisboa e comidas com um leite com chocolate UCAL morno
ou, em Faro, em que o doce de ovos é particularmente saboroso.
Como aprendi num programa de
rádio, a doçaria portuguesa foi bafejada pela sorte. Há uns séculos atrás, as
religiosas precisavam de usar a clara do ovo para engomar as toucas ou era
exportada e usada como purificador na produção de vinho branco. Restava a gema.
Com o excesso de gemas e muita mão de obra disponível nos conventos, a doçaria nasceu
e proliferou. Com ela, os papos-de-anjo, as barrigas-de-freira e tantos outros.
Tão bom! A doçaria conventual portuguesa devia ser património da humanidade.
A cidade de Aveiro tem uma
cultura e uma beleza sem par. No entanto, quando a maioria dos portugueses
pensa em Aveiro, a primeira coisa que lhe vem à cabeça são… os ovos moles! Ou
seja, os milhares de anos de história, as glórias dos antepassados ou a biodiversidade
e riqueza da ria, tudo fica esbatido pela doçaria.
Há mesmo algumas povoações que
não têm existência na memória coletiva para além dos doces. Com honestidade,
quem sabe alguma coisa sobre a história milenar de Tentúgal para além dos seus
pastéis? E valem mesmo a pena, tal como o património edificado daquela vila.
A cidade de Abrantes, deu uma
nova dimensão à palha. No entanto, nessa zona, as tigeladas do Pego são
maravilhosas. É interessante que as tigeladas de Lisboa sejam massudas e quase desagradáveis
e as do Pego, com uma base suavemente rendilhada, são tão delicadas. Até
parecem doces diferentes.
No Funchal, o bolo de mel é uma iguaria
sui generis que vai muito além do seu sabor. Fui beneficiado pela forma
como as famílias madeirenses se reúnem anualmente para fazer este doce e,
depois, enviam pelo correio aos seus familiares distantes ou amigos.
Dificilmente consigo eleger um
doce favorito ou uma cidade vencedora. Muitos dirão que os pastéis de nata, até
pela visibilidade internacional que têm, deveriam obter esse título. Mas porque
não os doces alentejanos? A sericaia, o tecolameco, lampreia-de-ovos ou, o meu
favorito no Alentejo, a encharcada-de-ovos. Uma listagem aponta para 84 doces
diferentes apenas no Alentejo.
No caso dos Açores, as queijadas
da Graciosa, as queijadas da Vila, de São Miguel, ou as donas-Amélias, da
Terceira, são, eventualmente, os pontos mais altos. No entanto, nada como o
mistério do pudim não-sei da Horta. Lá está… pode ser a minha vivência a falar,
mas um colchão-de-noiva à moda do Faial e um café é uma excelente forma de
terminar uma boa refeição.
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