Advertência: neste artigo escrevo
palavras de forma distorcida para tentar captar os belíssimos sotaques
brasileiros dos meus interlocutores. As minhas desculpas aos puristas da língua
portuguesa escrita.
Fui cortar o cabelo. Nada de especial até aqui.
Ao entrar, notei que os dois barbeiros de serviço estavam
animados. Falavam um com o outro e com um cliente que terminava o corte. Comentando
o acidente de avião que, infelizmente, levou a vida da cantora nordestina
Marília Mendonça, listavam as celebridades brasileiras que morreram em acidentes
de avião. Apesar de o tema ser sério, tentavam realçar as virtudes de cada uma
das pessoas, quase como se fosse uma homenagem da vida.
“Como cê quére o corrte?”. “O
senhor é o artista, esteja à vontade”. “Mas querr voltá cá daqui a um meis ou
só no Natau? É melhore antis ou então vai terr de trazer prenda, né?”
Não entendi porquê, mas a
conversa derivou para o roubo de fruta. “Ó ménino qui r
ouba fruta não é ladrão.
Ous ménino podem tirar fruta do quintau do vizinho. Não é roubo, não. Nem é
probrema.” Ao que o meu barbeiro acrescentou, “excepetô se cê é o vizinho, né?”
Riram-se ambos sem contenção e eu fui atrás.
Ao entrar um novo cliente, loiro
como o ouro do El Dorado e olhos de azul céu, o barbeiro número dois diz
“Welcómi, Sari”. A resposta num português escorreito, “Boa tarde.”, deixou-o
desconcertado, mas não o meu barbeiro, que brincou de imediato, acentuando o
sotaque: “Ingrêis perrfeito, mas inútiu. Totaumente inútiu. Tanta educação
irrelêvante. Nou use!”. “Valeu à tentativa, mê ‘rmão”, tentou ripostar o outro.
No meio da conversa que estava a
ter comigo, o meu barbeiro grita para o outro “Veja só, este cara anda no meio
do mar a ver peixinho!”. Já tinha ouvido muitas descrições simplificadas para
biólogo marinho, mas esta foi particularmente carinhosa. O outro respondeu
“Nossa, isso deve ser mesmo boummm! O oceano é tão grande, não deve ter falta
de trabalho!”.
Os jovens brasileiros estão a ocupar
os empregos privados de serviço direto ao cliente em Lisboa. Ao entrar num
qualquer café, tenho a sensação que é mais fácil encontrar um brasileiro do que
um português. Talvez esteja a exagerar, mas a probabilidade de ouvir um sotaque
português do outro lado do Atlântico é tão elevada que já fico com a dúvida. É
um indicador.
Obviamente, isso acontece porque os
brasileiros e as brasileiras estão dispostos a desempenhar essas funções pelo
pagamento que está a ser oferecido e, na minha opinião, é também pela boa onda
que transmitem. Hoje, no barbeiro, senti-me mesmo bem.
Ao terminar o corte, pergunto
“ficou bom?”. Um deles diz: “Pô! Com esse cabelo, ninguém lhe pega. Nem a
NASA!” e o outro complementa: “A Dona Rute [quem será a D. Rute, pergunto-me]
nem vai deixá cê saíre di casa”. Já não sei qual deles, “Uhau, me queimei. Cê
tá fogo!”, “Cara, vamos saí daqui k’isto vai encher de pretendente” e
continuaram…
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