Nunca gostei particularmente de
andar descalço sobre a areia da praia. Ficar deitado a apanhar Sol ou a nadar
no mar, sim. O interminável percurso entre os dois sempre me pareceu aborrecido
e, por vezes, doloroso. Aquela dor da areia a escaldar que se sente nas palmas
dos pés nas praias do Algarve é, para mim, terrível.
Quando descobri as piscinas
naturais de Santa Cruz das Flores, no início dos anos 80, compreendi o que era
a perfeição. Uma distância curta entre o espaço em que se está a falar com os
amigos, a ler um livro ou simplesmente a ganhar vitamina D e a água salgada
cheia de vida natural. Que podia ser melhor?
No caso das “piscinas dos
franceses”, como alguns lhes chamavam nesse tempo, havia ainda a sublime
virtude de haver várias “poças”. Umas eram mais acessíveis e com muita alegria
e confusão e outras, mais recatadas, onde podia, calmamente, ficar a olhar para
um polvo que se movimentava pelo fundo, temer uma moreia que “sorria” no
comando do seu buraco, observar os cardumes de salemas pastando ou,
simplesmente, ficar hipnotizado com o suave dançar das algas ao sabor da quase
inexistente corrente.
Por fora de todas as poças, o mar
aberto. A água mais fria, selvagem e com um azul profundo até perder de vista preenchia
a minha curiosidade, mas fugia do meu alcance de miúdo. Queria compreender, mas
ainda não estava preparado para me aventurar naquelas profundezas e ondulação.
Uma vez, um tubarão aproximou-se
e corremos todos por cima das pedras até o podermos ver com detalhe. Nadava calmamente
ignorando ostensivamente os nossos olhos fascinados. Aproximou-se, afastou-se…
movimentando lentamente o seu corpo majestoso pelo cimo da água estanhada do
Oceano Atlântico. Ficámos o resto da tarde a contar histórias mais ou menos
verídicas de outros tubarões que tinham comido pessoas inteiras e de uma só vez!
Nos dias de tempestade, com
outros amigos igualmente mínimos como eu, descíamos parte das escadas e
ficávamos siderados a olhar para a vagas que se quebravam nas pedras de fora e
espumavam até perto de nós. A razão do movimento da água, a importância do arejamento
para a vida subaquática e a abrasão marinha eram tudo mistérios que viria a
desvendar mais tarde, mas as perguntas foram-me ali plantadas.
Mais do que na Universidade, tornei-me
biólogo-marinho nas piscinas naturais de Santa Cruz das Flores. Na Universidade
aprendi o nome das espécies, os conceitos que unem os processos moleculares até
aos sistemas complexos, o funcionamento dos ecossistemas e tantas outras coisas...
No entanto, vendo em retrospetiva, muito do que aprendi limitou-se a preencher
os espaços de curiosidade que cultivei naquelas maravilhosas poças.
Ao viajar por esse mundo, ao
pisar outros sítios esplendorosos, ao falar com amigos e compreendendo as suas maravilhosas
experiências, volto sempre às piscinas naturais de Santa Cruz das Flores como um
dos pontos de comparação para a perfeição. Ali entendi o valor da contemplação
em paz, compreendi a importância da tranquilidade para a boa reflexão e
descobri a beleza da amizade juvenil e sorridente.
Ao longo do tempo,
propositadamente, tenho evitado voltar a meter o pé nas piscinas naturais de
Santa Cruz das Flores. Desde os anos 90 que não dou ali um mergulho, apesar de
ir às Flores regularmente. Acredito que a memória dos espaços é também
resultado do tempo cronológico. Eu não sou o mesmo e aquele espaço, com as
melhorias que, entretanto, lhe fizeram, não é o mesmo. Prefiro manter a memória
daquilo que ambos éramos nos anos 80.
Quando regresso a Santa Cruz,
passo na marginal, olho lá para baixo, para as piscinas, e deixo-me levar para
outros tempos, quando corríamos pelo Código desde o Hotel dos franceses até às
Piscinas, como escolhíamos um sítio para deixar as tolhas e nos mandávamos para
dentro de água, como nadávamos, mergulhávamos, brincávamos e nos cansávamos. À
noite, depois de tudo isto, caía imediatamente num sono profundo do qual só
regressava com o despontar do Sol e a certeza que iria ter início mais um dia
de enormes aventuras!
Sem comentários:
Enviar um comentário