sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Reserva Voluntária do Caneiro dos Meros


Neste último final de semana na Ilha do Corvo, constatei que mergulhar com escafandro é um pouco como andar de bicicleta. Nunca se esquece! A convite dos meus amigos corvinos Fernando Jorge Cardoso e Celso Silva fui fazer uma das actividades que mais gosto e que, por imperativos da vida, já não praticava há vários anos.
Mergulhar! Deixar-me cair de costas para o Oceano e sentir a água entrar vagarosamente dentro do fato… Brrr… Um arrepio. Frio enregelante, mas passageiro…
Olhar! Deixar as bolhas partirem até que a sombra do fundo deixe de ser deslavada. Esvaziar o colete, partir. Imergir. Fazer com que os contrastes do fundo tomem formas e adivinhar as espécies que cobrem as diferentes rochas.
Compensar! Este já não é um corpo batido por centenas de mergulhos por ano. Agora há que pensar bem nos procedimentos de segurança e conforto. Comecemos por injectar ar para os ouvidos, compensando assim o aumento de pressão.
Dez metros! Tudo corre bem. Paro, enchendo o colete com algum ar. Observo a superfície, perscrutando os meus colegas de mergulho. Regra de ouro do mergulho: “nunca mergulhar sozinho”, diz-me o meu avisado, mas enferrujado cérebro. Não resisto à impaciência! Sigo para o fundo como uma bala desamparada. Volto a encher o colete aos quinze metros para parar junto ao fundo.
Estou no topo de uma crista, de uma das dezenas de cristas que prolongam a ponta Sul da Ilha do Corvo em direcção ao mar profundo. É entre duas dessas cristas que se situa o Caneiro dos Meros. Esta Reserva Voluntária, criada pela conciliação de boas vontades é respeitada desde 1998. No final desse ano, um conjunto de jovens corvinos convenceram a comunidade de pescadores a deixar uma porção do mar em paz. Hoje é por estes considerado um sítio sagrado que está protegido porque assim o decidiram. A iniciativa foi tão modelar que os pescadores já foram convidados a palestrar fora da ilha, para falarem sobre este assunto. Apenas para terem uma ideia da importância que este local tem também para mim, fiz uma pequena pesquisa. Constatei que nos 99 artigos que publiquei até hoje e de que tenho registo (sim, este será o centésimo), em 23 falei sobre o Corvo e em nove referi a Reserva Voluntária do Caneiro dos Meros.
Passados quase doze anos, continuariam os meros por lá? Ainda não tinha acabado de repensar nestas palavras e aproxima-se de mim o primeiro peixe castanho com as típicas manchas amarelas. É fantástico! Custa-me exteriorizar o empolgamento que senti. Doze anos após uma boa intenção, sem qualquer legislação que o imponha (por escolha dos locais) e os meros lá estão.
Três! Contei três dóceis meros durante este mergulho. Um deles pousou sobre o que eu imagino serem os 35 metros. Avisado pelo ranger das minhas articulações, mal rodadas, preferi limitar a imersão aos 25 metros e, por isso, não pude ir festejar este rei dos mares costeiros dos Açores. Senti, no entanto, que ele teve pena e eu levo saudades!