Um dos livros que me impressionou enquanto pré-adulto foi “O Alquimista” do Paulo Coelho. Não gosto do estilo fatalista, determinista e populista da maioria dos escritos do Paulo Coelho. Se calhar também por isso, “O Alquimista” foi uma lufada de ar fresco de um autor que nos sugeria atenção para os sinais com que somos presenteados quotidianamente. Nestes dias, a minha mulher, para minha admiração porque não é o género dela, começou a ler “O Alquimista”.
No Dia Mundial dos Oceanos estive em Vila Franca do Campo, Ilha de São Miguel, participando numa conferência da Semana Azul do Concelho. Ao contrário do que era suposto, não me limitei a assistir, mas fui desafiado a também falar. Falar sobre mar… Era impossível resistir. Improvisei um pouco e por ali fui... A certo passo, projectei uma imagem de uma baleia-de-barbas a saltar fora de água (uma belíssima foto tirada pelo Dr. Rui Prieto) e informei que não se sabia muito bem qual a verdadeira razão que levava as baleias a saltar. Disse que havia diversas teorias, mas, não havia uma prova concreta. O certo é que o dispêndio de energia é tão elevado que implica, certamente, uma razão. São toneladas de animal que saem repentinamente para fora de água. Tem de haver uma razão. Perguntei à assistência qual era a opinião deles. De imediato, sem pestanejar um dos jovens que assistia, e que, mais tarde, soube chamar-se Hélio Medeiros, disse “estão a apanhar Sol!”. A resposta foi tão inesperada e tão pouco razoável que me fez parar e pensar que, de facto, os animais inteligentes têm uma certa propensão para fazer coisas energeticamente pouco sensatas apenas por prazer. Na minha lista de hipóteses, esta não estará na primeira linha, mas passou a constar, quanto mais não seja, pela inesperada piada.
À noite, depois de vir de São Miguel, estive no auditório do Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores a ver um documentário chamado “Sea Change”. A certo passo, a cientista explicava o ciclo biológico do salmão (um saboroso peixe que não existe no Mar dos Açores). Dizia ela, “aqui podemos ver os salmões a dar saltos para fora de água e ninguém sabe explicar porque fazem isto”. Eu nem queria acreditar! Dei um salto na cadeira e disse “estão, claramente, a apanhar Sol!” Claro que me arrisquei a receber de volta um reprovador “Shhhh…” da restante audiência e fiquei envergonhadíssimo, mas, ao mesmo tempo, ri-me interiormente durante o resto do filme.
No dia seguinte, estive no Castelinho, um jardim-de-infância da Ilha do Faial. Fomos convidados a participar no hastear da bandeira-verde da eco-escola. Contextualizando, o Castelinho tem uma postura exemplar no que diz respeito a ambiente. Têm uma horta biológica, um compostor, fazem triagem de resíduos, anotam diariamente os consumos de água e luz… Enfim, tudo o que todos deveríamos fazer e que eles fazem! Uma das mães desabafava, com um certo exagero enfático espero eu, “cada vez que vou ao supermercado e trago sacos de plástico sou torturada pelos meus próprios filhos”. São uns autênticos guerrilheiros ambientais pensei eu. Precisamos deles! Por essa razão, quando convidado a discursar, resolvi fazê-lo para as crianças e com linguagem que elas percebessem. Talvez isso tenha provocado alguma indignação por parte dos adultos, mas, obviamente, se são assim interventivas ao ponto de merecerem a bandeira verde, é porque elas fazem a diferença e merecem que, naquele dia, o político presente fale para elas. Foi isso que eu pensei e assim fiz. Por outro lado, se aquelas duas centenas de crianças são assim é também porque os pais, educadores e auxiliares e administrativos da escola o propiciam e portanto são dignos da respectiva vénia e agradecimento. Aqui fica. Aliás, reforçando, uma instituição que homenageia os seus mais antigos funcionários, alguns já reformados, com a emoção que ali vi e com as boas práticas ambientais que registei é porque, mesmo sem disso ter consciência, tem o espírito de ecologia alargada que há tanto tempo se tenta imbuir na sociedade ocidental. O Castelinho dá-nos esperança num mundo melhor.
No espírito do Paulo Coelho, agora sei que, certamente, as baleias e os salmões saltam fora de água para, serem iluminadas pela luz do Sol, ou seja, para tentar ver o que eu vi naquela escola, o Eco-Castelinho! “Sicut aurora humanitates lucent”.