Enxaréus no Mar dos Açores
Foto: F Cardigos ImagDOP
No Dia Mundial da Água, e aceitando o repto do jornal
Correio dos Açores, vale a pena relembrar o quanto este bem é importante para a
nossa vida quotidiana, mas também, se mal gerido, como pode ser radicalmente
efetivo na nossa infelicidade. Para focar um pouco o tema, libertando-me assim
da obrigação de escrever uma enciclopédia, irei dissertar apenas sobre a água
do mar.
A água do mar é um líquido constituído por moléculas com
dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio e, para além de outros componentes, com
um elevado teor de sal (cloreto de sódio) dissolvido. Este líquido tem a
capacidade de proporcionar as condições ideias para suporte de diversos
organismos e desempenhar outros determinantes serviços ecológicos ao planeta.
Se a primeira parte é óbvia, muitas vezes esquecemos quão
importante é a segunda, os tais outros serviços ecológicos que vão para além do
mero suporte de vida. No entanto, são estes serviços que garantem, por exemplo,
a estabilidade e adequação da temperatura do ar no planeta. Ao transportar
enormes quantidades de energia de latitudes menos elevadas para os polos, a
água do mar constitui um enorme termostato planetário. Por exemplo, se este
serviço não fosse prestado, sobre a Noruega existiria uma camada de gelo com
vários quilómetros de espessura (como, aliás, já aconteceu no passado). Há
serviços ainda pouco aproveitados, como sejam os que podem resultar na captação
energética, e outros cuja utilização está em franco e próspero crescimento,
como sejam os relacionados com o turismo e com o transporte marítimo. Sobre
estes, debateremos noutro momento.
Ao contrário dos anteriores, há um serviço determinante que
é prestado pelo mar e que, paradoxalmente, nos poderá colocar em perigo.
Trata-se da captação de carbono. O mar tem a enorme e crucial capacidade de
retirar carbono da atmosfera e utilizá-lo de diversas formas. Como nos últimos
anos temos tido a infelicidade de poluir o ar até níveis históricos, o mar tem
tentado fazer o seu papel e absorve-lo. Ora, acontece que a este incremento de
absorção, corresponde um incremento da acidez do oceano. Esta acidificação dos
mares tem consequências absolutamente nefastas para toda a vida que o Oceano
alberga. Por exemplo, as conchas dos moluscos e dos artrópodes dissolvem-se
neste ambiente ácido. Agora, tomem nota que a grande maioria dos pequenos
crustáceos que constituem o plâncton estão realmente em perigo. Posto de outra
forma, toda a vida dos seres pluricelulares dos Oceanos está agora em risco. Como
inverter? Essencialmente, há que apostar nas formas energéticas que não incluam
a utilização de combustíveis fósseis e moderar o consumo. De outra forma, os
danos colaterais das alterações climáticas globais serão irreversíveis e
decisivos.
Sobre este tema, há um documentário muito esclarecedor e que
aconselho vivamente. Chama-se “Sea Change” e, nele, um avô tenta obter
respostas para dar ao neto sobre as alterações com que estamos a ser
confrontados. É um documentário muito preciso do ponto de vista científico e
acessível a todas as idades.
O serviço mais comumente reconhecido ao mar é o relacionado
com o suporte de vida. Felizmente, os mananciais dos Açores, com alguns sinais
de alerta preocupantes, continuam de boa saúde. Um dos fatores-chave para esta
saúde está relacionado com o abdicar da utilização das redes de pesca de
emalhar de profundidade e de arrastro no nosso arquipélago. Foi uma decisão
corajosa e que nos coloca razoavelmente a salvo do colapso das pescarias
globais.
Curiosamente, esta mesma água salgada pode ser uma perigosa
ameaça para a água de consumo humano nas ilhas. Acontece que os maiores
“armazéns” de água doce se encontram na base das ilhas. Estes autênticos “armazéns”
estão em contacto com a água do mar. Se a utilização da água doce for
sistematicamente superior aos níveis de pluviosidade que aí se deveria acumular,
a água do mar entrará nos “armazéns”, resultando na chamada intrusão salina,
salinizando estes lençóis freáticos. Pode parecer ficção, mas é exatamente o
que está a acontecer neste momento na Ilha Graciosa. É absolutamente necessário
haver uma gestão rigorosa da água doce.
A “água salgada”, o “mar de Portugal”, de acordo com a
abordagem de diferentes poetas Lusos, é parte da matéria de que somos feitos. Juntando
ainda a vulcões e tempestades obtêm-se um tipo de portugueses muito especiais,
os açorianos, para quem a água do mar é tratada na primeira pessoa. Cuidemos
com especial cuidado do mar, porque isso será também cuidarmos bem de nós
próprios.
Publicado no Jornal Correio dos Açores e pode ser lido aqui.
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