quinta-feira, 22 de março de 2012

Água do mar


Enxaréus no Mar dos Açores

No Dia Mundial da Água, e aceitando o repto do jornal Correio dos Açores, vale a pena relembrar o quanto este bem é importante para a nossa vida quotidiana, mas também, se mal gerido, como pode ser radicalmente efetivo na nossa infelicidade. Para focar um pouco o tema, libertando-me assim da obrigação de escrever uma enciclopédia, irei dissertar apenas sobre a água do mar.
A água do mar é um líquido constituído por moléculas com dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio e, para além de outros componentes, com um elevado teor de sal (cloreto de sódio) dissolvido. Este líquido tem a capacidade de proporcionar as condições ideias para suporte de diversos organismos e desempenhar outros determinantes serviços ecológicos ao planeta.
Se a primeira parte é óbvia, muitas vezes esquecemos quão importante é a segunda, os tais outros serviços ecológicos que vão para além do mero suporte de vida. No entanto, são estes serviços que garantem, por exemplo, a estabilidade e adequação da temperatura do ar no planeta. Ao transportar enormes quantidades de energia de latitudes menos elevadas para os polos, a água do mar constitui um enorme termostato planetário. Por exemplo, se este serviço não fosse prestado, sobre a Noruega existiria uma camada de gelo com vários quilómetros de espessura (como, aliás, já aconteceu no passado). Há serviços ainda pouco aproveitados, como sejam os que podem resultar na captação energética, e outros cuja utilização está em franco e próspero crescimento, como sejam os relacionados com o turismo e com o transporte marítimo. Sobre estes, debateremos noutro momento.
Ao contrário dos anteriores, há um serviço determinante que é prestado pelo mar e que, paradoxalmente, nos poderá colocar em perigo. Trata-se da captação de carbono. O mar tem a enorme e crucial capacidade de retirar carbono da atmosfera e utilizá-lo de diversas formas. Como nos últimos anos temos tido a infelicidade de poluir o ar até níveis históricos, o mar tem tentado fazer o seu papel e absorve-lo. Ora, acontece que a este incremento de absorção, corresponde um incremento da acidez do oceano. Esta acidificação dos mares tem consequências absolutamente nefastas para toda a vida que o Oceano alberga. Por exemplo, as conchas dos moluscos e dos artrópodes dissolvem-se neste ambiente ácido. Agora, tomem nota que a grande maioria dos pequenos crustáceos que constituem o plâncton estão realmente em perigo. Posto de outra forma, toda a vida dos seres pluricelulares dos Oceanos está agora em risco. Como inverter? Essencialmente, há que apostar nas formas energéticas que não incluam a utilização de combustíveis fósseis e moderar o consumo. De outra forma, os danos colaterais das alterações climáticas globais serão irreversíveis e decisivos.
Sobre este tema, há um documentário muito esclarecedor e que aconselho vivamente. Chama-se “Sea Change” e, nele, um avô tenta obter respostas para dar ao neto sobre as alterações com que estamos a ser confrontados. É um documentário muito preciso do ponto de vista científico e acessível a todas as idades.
O serviço mais comumente reconhecido ao mar é o relacionado com o suporte de vida. Felizmente, os mananciais dos Açores, com alguns sinais de alerta preocupantes, continuam de boa saúde. Um dos fatores-chave para esta saúde está relacionado com o abdicar da utilização das redes de pesca de emalhar de profundidade e de arrastro no nosso arquipélago. Foi uma decisão corajosa e que nos coloca razoavelmente a salvo do colapso das pescarias globais.
Curiosamente, esta mesma água salgada pode ser uma perigosa ameaça para a água de consumo humano nas ilhas. Acontece que os maiores “armazéns” de água doce se encontram na base das ilhas. Estes autênticos “armazéns” estão em contacto com a água do mar. Se a utilização da água doce for sistematicamente superior aos níveis de pluviosidade que aí se deveria acumular, a água do mar entrará nos “armazéns”, resultando na chamada intrusão salina, salinizando estes lençóis freáticos. Pode parecer ficção, mas é exatamente o que está a acontecer neste momento na Ilha Graciosa. É absolutamente necessário haver uma gestão rigorosa da água doce.
A “água salgada”, o “mar de Portugal”, de acordo com a abordagem de diferentes poetas Lusos, é parte da matéria de que somos feitos. Juntando ainda a vulcões e tempestades obtêm-se um tipo de portugueses muito especiais, os açorianos, para quem a água do mar é tratada na primeira pessoa. Cuidemos com especial cuidado do mar, porque isso será também cuidarmos bem de nós próprios.


Publicado no Jornal Correio dos Açores e pode ser lido aqui.

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