Guichê em Bruxelas.
Foto: F Cardigos
Desde tempos remotos que houve necessidade de estabelecer o
modo, os locais e o tempo em que os cidadãos comunicavam com a administração.
Não sou historiador nem tenho ambições de sistematizar uma viagem neste
relacionamento ao longo dos tempos, mas imagino que seja um tema interessante.
Apenas me irei deter no meu tempo de vida, portanto, poucos anos mais uns
poucos...
Antigamente, qualquer funcionário de repartição pública,
banco, correios, estações de autocarros e comboios comunicava com o cidadão
comum através de guichês. O guichê é uma estrutura que separa duas divisões em
que, de um lado, se encontra o território do funcionário e, do outro, o
território do atendido. Os guichês mais assustadores são compostos por um
balcão alto e, na parte superior desse balcão, um vidro mais ou menos espesso
que protege o funcionário da pessoa que esteja a ser atendida. Os guichês mais
avançados têm sistemas de comunicação através de microfone e altifalante e os
eventuais documentos são trocados através de bandejas rastejantes. As vantagens
dos guichês incluem a proteção física do funcionário contra doenças ou reações menos
apropriadas do atendido.
Em Portugal, desde o 25 de Abril, os guichês têm vindo a desaparecer
gradualmente, em particular, no espaço da administração pública. Em seu lugar
têm aparecido secretárias em que de um lado se senta o funcionário e, do outro,
se senta a pessoa que está a ser atendida. Seja nas câmaras municipais ou nas repartições
de finanças, no Portugal de hoje os guichês estão em extinção. Na minha
opinião, é um bom avanço que contribui para melhorar as relações entre a
administração e os cidadãos, tornando-as mais humanas.
Veio-me tudo isto à memória por, num curto período de tempo,
ter sido confrontado com dois guichês aqui em Bruxelas. Primeiro no Parlamento
Europeu, em que trocaram um simpático e conveniente balcão por um guichê dos
mais assustadores e avançados. Os funcionários do Parlamento Europeu encarregues das acreditações dos visitantes estão agora escondidos atrás de um
vidro tão espesso que apenas os podemos entender se o sistema de comunicação
electrónico estiver em funcionamento. Como os vidros são ligeiramente
escurecidos, às vezes pergunto-me se haverá seres humanos do lado de lá… Razões
de segurança não parecem justificar todo este aparato, já que apenas podemos
chegar a estes guichês depois de termos passado dois níveis de segurança.
Já depois de ter deixado de trabalhar no Parlamento Europeu
tive de regularizar a minha situação na Commune
(similar à nossa Junta de Freguesia, mas com mais competências). Fiquei
espantado por, também aqui, haver guichês.
Há anos que, em Portugal, os guichês foram sendo substituídos
por móveis modernos e acolhedores, que convidam quem tem um problema a
sentar-se e a comunicar civilizadamente com funcionários que, sem receio,
recebem com conforto e solicitude. Há sítios de contacto rápido, como os
correios, em que ainda há balcões, mas na maioria dos departamentos
administrativos, já se entra, senta-se e fica-se à vontade. Em muitos locais
ainda se espera de pé e por tempos não admissíveis, o que é um contra-senso e
uma oportunidade de melhoria para os serviços públicos em Portugal, mas, quando
finalmente iniciamos a conversa com o funcionário, sentimos-nos bem.
Como um número crescente de operações burocráticas comuns já
podem ser realizadas usando a internet, se uma pessoa tem de se deslocar às
finanças ou à Câmara Municipal é porque o caso é grave, complicado ou a pessoa
em causa tem dificuldades em lidar com as novas tecnologias. Também por estas
razões, há que receber bem, com conforto e dignidade. Faz todo o sentido.
As estações de transportes públicos (comboio, metro e
autocarro) e alguns serviços nocturnos de elevado risco, como as farmácias e as
bombas de gasolina durante a noite, ainda têm guichês, mas pouco mais. Os
guichês são “animais” em extinção em Portugal. Neste campo, a Bélgica ainda tem
um caminho a percorrer para mais humanizar as relações entre a administração e
os cidadãos.
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