sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Crónicas de Bruxelas: 60 - A inteligência artificial e o trabalho

Impressora 3D
Foto: F Cardigos


Um dos objectivos do meu trabalho em Bruxelas é, tanto quanto possível e baseado no melhor conhecimento disponível, tentar antecipar o futuro. Isso é feito inclui a aferição de oportunidades que podem surgir para os açorianos, mas também quais as ameaças gerais ou, simplesmente, tendências.
Desde há uns quatro anos que por aqui se analisam e discutem quais os efeitos da Inteligência Artificial no mundo laboral. Historicamente, já houve revoluções equivalentes. Por exemplo, com a revolução industrial, os trabalhadores abandonaram os campos e deslocaram-se para a cidade. Nesta nova revolução, com a robotização dos processos e com a sistematização das metodologias, passará a ser impossível ter humanos a fazer trabalhos susceptíveis de serem realizados por robots.
Imagine-se o que seria ter humanos a pintar carros numa linha de montagem. Impossível, porque os robots o fazem muito melhor, mais rápido e, acima de tudo, sem riscos de saúde. Quem quererá expor seres humanos a esse perigo?
O número de profissões em risco pela Inteligência Artificial é quase igual ao número de profissões existentes. No entanto, para já, quero deter-me numa: os médicos. Talvez não fosse uma profissão que considerássemos estar em risco, mas, na realidade, está. Desde a monitorização, avaliação, até à decisão ou execução, os robots, em breve, estarão a fazer melhor trabalho que os humanos. Repare-se que o grande trabalho do médico é, com as análises disponíveis e as suas observações, determinar qual a mais provável maleita de que sofre uma qualquer pessoa. Saliento que atrás usei a palavra “provável”. Ora, não há nenhum humano que possa determinar melhor probabilidades que uma máquina. Utilizando enormes quantidades de informação (análise de big data) e aferindo com enorme precisão as diferentes hipóteses, as máquinas, dentro em breve, ultrapassarão os médicos. Quem quererá ser diagnosticado por um humano se a máquina o fizer melhor?
Curiosamente, uma profissão que não está em risco tão elevado é a enfermagem. Não se antecipa que qualquer máquina desenvolva a empatia humana. O contacto humano, o toque, a palavra amiga e o amor são tudo características longe da capacidade mecânica e frígida dos robots mesmo no futuro. Será assim? Sim, pelo menos por agora...
Segundo um autor que muito aprecio, Yuval Harari, os empregos do futuro são os criativos e os que exigem empatia. Tudo o resto será feito por máquinas. Seria simples para uma máquina devidamente programada imitar uma pintura existente, imprimir uma escultura 3D a partir de uma anteriormente digitalizada ou mesmo compor uma sinfonia repetitiva, tudo isto já se faz, mas é-lhes ainda impossível transmitir emoções originais, contar a história de forma disruptiva ou repensar uma linha artística. Os verdadeiros artistas estão a salvo.
As máquinas estão impedidas de imaginar soluções que fujam à sua programação. Como alguém dizia depois de um computador ter ganho uma partida a um grande mestre do xadrez, a única coisa que o computador não podia fazer era levantar-se e ir embora. Até me atrevo a dizer que as máquinas, na realidade, não são propriamente inteligentes. São hábeis a integrar enormes quantidades de informação e, com essa base, tomar boas decisões. No entanto, alguma máquina conseguiu bater inequivocamente o teste de Turing? Não. Ainda não…
O certo é que mais e mais profissões serão progressivamente substituídas por máquinas. O processo é inevitável e vamos ver a alteração na nossa geração. Para os mais desatentos, veja-se o número de empregados que num supermercado contabilizam os nossos gastos. Antes, quando eu era jovem, era necessário escrever o valor numa máquina, número a número. A quantidade de pessoas empregadas nas máquinas registadoras dos supermercados era enorme. Depois vieram os scanners, em que o empregado apenas passava o código de barras pelo leitor. Aumentou-se a velocidade de contabilização e abriu-se a porta para o futuro. Hoje, cada vez mais, o próprio cliente faz essa identificação reduzindo em muito o número de empregados nesta profissão. Em breve, e já há testes nesse sentido, nem será necessário passar as compras pelo scanner. Um emissor colocado em cada produto irá identificar o produto à saída do supermercado e ao comprador restará aceitar pagar o preço que a máquina determinou sem sequer “olhar” para as compras. O futuro é frio, é inevitável e não inclui pessoas a registar os produtos nos supermercados.
Dado o enorme desemprego que aí vem, elementos do Parlamento Europeu e do Comité das Regiões Europeu têm defendido que o uso de robots deveria pagar impostos sociais. O aniquilar do emprego tradicional tem que ser compensado e essa compensação terá de vir do lucro proporcionado pelas máquinas. É essa a justificação.
O trabalho está a mudar. É impossível dizer que profissões continuarão a ter sucesso. Então como escolher? É difícil responder. No entanto, o trabalhador com sucesso no futuro terá de ter, muito provavelmente, elevada educação académica, para poder programar as máquinas, enorme nível cultural, para ser um excelente artista, ou extraordinária capacidade de adaptação, para se movimentar entre as profissões que as máquinas ainda não tenham tomado. Aposto nisto? Não, mas não tenho melhor conselho.

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