sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Crónicas de Bruxelas: 61 - O fascismo está de volta a Portugal?


Capa do livro "Reconnaître le fascisme", de Umberto Eco.
Foto: F Cardigos

Ao ler um ensaio sobre o fascismo de Umberto Eco, um escritor e filósofo italiano falecido há poucos anos, dei por mim a recear que esta forma de gestão do Estado possa estar de volta a Portugal. A tese do autor é que o fascismo é um perigo omnipresente na sociedade moderna e que se “veste” de formas diferentes para que se possa paulatina e sorrateiramente ir impondo como a “inevitável” forma de governo. 
A ideia não declarada explicitamente pelo autor é que as pessoas não são fascistas, mas são conduzidas a aceitar e, em última instância, a implorar pelo fascismo. Para se passar do ponto de partida até à aceitação e mesmo idolatrar os pressupostos fascistas de Mussolini, Hitler, Franco, Salazar ou qualquer um dos generais extremistas de direita que se impuseram na América do Sul há todo um processo prévio de preparação mais ou menos violento. 
Vale a pena fazer aqui uma pausa para definir o que é o fascismo. De forma simplista, fascismo é um “movimento político e filosófico ou regime, que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador.” Relembro, porque há uma certa tendência para esquecer, o fascismo, nas suas diferentes formas, foi responsável por anos de perda de liberdade, perseguição, terror, miséria e morte, incluindo 11 milhões de vítimas diretas do nazismo (forma de fascismo que prevaleceu na Alemanha de Adolf Hitler) a que se adicionam as cerca de 70 milhões de mortes da Segunda Guerra Mundial. Há outras formas de os seres humanos se maltratarem, mas esta é provavelmente a mais repugnante. 
A resistência ao fascismo esteve longe de ser um exclusivo da esquerda, embora esta tenha tido um papel corajoso e meritório. Também para a direita, o fascismo é intolerável. Para os mais esquecidos relembro, a título de exemplo, que o fascismo em Itália foi também combatido com armas por conservadores de direita. Mesmo em Portugal houve resistência de direita ao fascismo. Ou seja, a resistência ao fascismo é uma questão civilizacional e não um diferendo dentro do arco-íris democrático. 
Segundo Umberto Eco, há vários sinais que anunciam a emergência do fascismo. Não aparecem todos em simultâneo e nem todos com a mesma desenvoltura. No entanto, cada um deles é um sintoma e muitos, em conjunto, são um sinal de alerta. 
Com o surgir de partidos intolerantes de direita em Portugal, vale a pena relembrar os catorze sinais do fascismo, segundo Umberto Eco: (1) culto da tradição (não confundir com cultura), (2) recusa do modernismo, (3) ação pela ação, (4) desacordo é traição, (5) medo da diferença, (6) apelo às classes médias frustradas, (7) obsessão pela intriga, (8) os inimigos são muito poderosos e muito débeis em simultâneo, (9) a vida é uma luta e há uma solução final para essa batalha, (10) desprezo pelos mais frágeis, (11) cada um é educado para se tornar um herói, (12) machismo, (13) os líderes fascistas são os interpretes da voz do povo, pelo que as eleições ou o parlamento pouco importam, e (14) uso de linguagem simplista. 
Fico espantado com a linguagem intolerante, simplista e agressiva que se espalha como fel pelas redes sociais e vejo um novo partido em Portugal que aglutina alguns dos sinais mencionados por Umberto Eco. Será este o futuro que queremos? 
Fascismo, nunca mais!

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