Berlaymont, o edifício-sede da Comissão Europeia.
Foto: F Cardigos
Perguntam-me, legitimamente, “qual
é o contributo da União Europeia “no mundo real” para combater a covid-19?”.
Eu compreendo o alcance da pergunta. No meio de tanto barulho sobre a
mutualização da dívida e o comportamento de um ministro das finanças do norte
da Europa, ficamos sem noção se a União Europeia serve para alguma coisa nesta
triste crise. A resposta simples, dou-a já: sim, serve e para muito!
Nos últimos dias, a Comissão
Europeia, que tem em exclusivo o direito de iniciativa na União, tem proposto
uma miríade de documentos legislativos e orientadores que se revelam muito
úteis para diversos fins. São tantas as propostas e tão complexas que a própria
instituição resolveu dividi-las em seis áreas temáticas que explicarei abaixo
com algum detalhe.
Em jeito de nota introdutória, quero
deixar claro que o Conselho, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia procederam
muitíssimo bem em termos práticos. Logo que se tornou evidente que a doença
covid-19 era perigosa, que se transmitia de pessoa para pessoa e que estava
presente na Bélgica, estas instituições mandaram para casa todo o pessoal cuja
presença física não fosse essencial e meteu-os em teletrabalho. Ou seja,
praticamente do dia para a noite, só na Comissão, mais de vinte mil
funcionários passaram a trabalhar a partir de casa. Graças a esta ação, a
maioria dos funcionários escaparam à covid-19 (não todos, infelizmente) e, com
as ferramentas informáticas existentes hoje (processadores de texto, correio
eletrónico, tele-reunião, etc) e os esforços e empenho do pessoal informático, a
produtividade não diminuiu significativamente. Por causa desta decisão atempada
e acertada, a Comissão continua com todo o “poder de fogo” para propor
diferentes soluções.
Neste período, a prioridade
número um da Comissão Europeia é a saúde pública. A garantia que os
equipamentos médicos chegam ao destino, que não há constrangimentos na sua
manufatura ou que os processos de autorização de novos medicamentos são céleres,
são algumas das medidas a que a Comissão tem dado maior prioridade e com
sucesso.
Em termos económico-financeiros,
a Comissão parte de um princípio que é fácil de entender: não se pode inventar
dinheiro. A Comissão autoriza que os Estados gastem mais dinheiro e permite e
fomenta empréstimos para os quais dá o seu aval e garantia, o que fará crescer
as respetivas dívidas, diga-se. Ao mesmo tempo, a Comissão permite que os
Estados-Membros transfiram verbas entre rubricas anteriormente contratualizadas
no âmbito do Quadro Financeiro Plurianual. Isso é ótimo, mas não é dinheiro
novo. Ou seja, para o fazerem os Estados têm mesmo de prescindir de algo que
tinham planeado. Como se costuma dizer em Portugal, “quando o
cobertor é curto, se cobrimos os ombros, os pés ficarão de fora”.
Para as PME, a Comissão criou um
sítio internet onde são dadas explicações em como aceder a fundos europeus em
tempos de covid-19 (www.access2finance.eu).
Atenção, com toda a justiça muitos destes instrumentos não são acumuláveis com iniciativas
similares de génese nacional e regional. Há que estudar qual a formulação que é
elegível e mais conveniente para cada caso. Honestamente, tenho que enfatizar o
exposto no início do parágrafo anterior: não há dinheiro novo. O que a Comissão
faz, e faz bem, é gerir, reorientando verbas, dando créditos ou avais ou
permitindo novas utilizações para as verbas que já existem. Portanto, quando a
Comissão diz que facilitou o uso de mais de 3 biliões de euros é mesmo isso:
“facilitou o uso”. A Comissão não retirou um coelho de diamantes de uma cartola
dourada. Isso não existe.
O que poderia existir era uma
partilha da dívida (muitas vezes referida como mutualização da dívida,
eurobonds ou coronabons). Enquanto os Estados-Membros não estiverem de acordo,
não haverá essa partilha. Não é uma limitação da União Europeia ou uma
má-vontade da Comissão. O que falta é um entendimento entre os Estados-Membros.
Outro pedem que a Comissão
Europeia, com fundos próprios, estabeleça e implemente um “Plano Marshall” que
dê a resposta necessária ao caos provocado pela covid-19. A Comissão tem
insistentemente respondido que esse plano será o próximo Quadro Financeiro
Plurianual e que, para isso, está a ser revisto. Veremos…
Uma das funções que a Comissão
Europeia, enquanto guardiã dos tratados, tem de garantir é que haja livre
circulação de pessoas e bens. No entanto, a estratégia mais eficiente para
combater a covid-19 é precisamente gerir adequadamente as viagens e
transportes. Ou seja, a Comissão teve de criar regras para que, ao mesmo
tempo, as pessoas circulassem apenas nos casos justificados, mas que as
mercadorias não ficassem retidas ou atrasadas. Não foi fácil, mas apenas uns
dias depois de terem colocado mãos-à-obra, criando vias rápidas e outras
ferramentas, a Comissão já tinha reduzido para menos de metade os tempos médios
perdidos nas fronteiras e, hoje, são insignificantes.
Outro dos aspetos prioritários
para a Comissão prende-se com a gestão da crise e a solidariedade. Por
exemplo, o Fundo de Solidariedade da União Europeia, que recentemente usamos
nos Açores para colmatar os efeitos do Furacão “Lorenzo”, foi agilizado e
ampliado o seu âmbito para que rapidamente pudesse injetar 800 milhões de euros
nos países mais afetados pela pandemia.
Evidentemente, o que todos
procuramos é uma cura para a doença ou, pelo menos, testes rápidos e massivos para
identificar quem tem ou teve a doença. Assim, em termos de investigação e
inovação, a Comissão tem dado um importante auxílio, financiando empresas e
equipas científicas melhor colocadas para os avanços necessários.
Por último, mas nunca em último,
a educação. A Comissão criou um espaço virtual em que agregou recursos
educacionais para que todos tenham acesso à base da civilização: o
conhecimento.
É muita atividade, muita
informação e toda importante. Tudo isto que expus atrás, e muito ficou por
dizer, foi executado do zero em poucas semanas, o que justifica o meu inegável
entusiasmo pela União Europeia. Mas compreendo que é complexo explicar. É
difícil passar a mensagem de que o mundo não se resume apenas aos poucos
desentendimentos, mas, sim, que passa, essencialmente, por tudo aquilo que está
a ser construído. Acresce que este é um processo em curso, ou seja, não se
admire o leitor se, daqui a uns dias, eu estiver a escrever um artigo para
atualizar o muito que aqui já vai.
Para tornar todo o processo mais
ruidoso e confuso, lembro que a Comissão Europeia não toma decisões
legislativas. A Comissão simplesmente propõe. Ou seja, sempre que há uma
decisão que, por exemplo, tenha implicações orçamentais, essa decisão tem que
ter o aval do Parlamento Europeu e do Conselho. Ou seja, a Comissão propõe e o
cidadão comum pensa que decisão está tomada. Não está! Depois, quase como um
inexplicável eco, o Conselho anuncia uma decisão sobre o mesmo tema. Para
tornar tudo ainda mais confuso, o Parlamento de seguida anuncia que os
eurodeputados irão iniciar o debate sobre esse mesmo tema. Não é fácil… Até
este momento já houve três anúncios relativamente a um tema e ainda não houve,
na realidade, qualquer decisão. Serão os Parlamento Europeu e Conselho, depois
de se reunirem com a Comissão numa reunião habitualmente chamada de trílogo, a
tomar conjuntamente a decisão final sobre o que estiver em discussão. Repito,
não é fácil…
Quando a Comissão anunciou que
iria possibilitar a movimentação de verbas entre rubricas do orçamento, permitindo,
por exemplo, que o Governo dos Açores prescindisse da construção do novo navio
e orientasse as verbas para colmatar os efeitos da covid-19, essa decisão, na
realidade, foi tomada mais tarde pelo Parlamento Europeu e Conselho,
habitualmente chamados em conjunto “colegisladores”. O Governo dos Açores pode
utilizar esta possibilidade porque a Comissão propôs e os colegisladores,
posteriormente, aceitaram a possibilidade de movimentar verbas entre rubricas
do orçamento da União.
Para explicar e esclarecer todos
estes temas, o Gabinete dos Açores em Bruxelas publica semanalmente um boletim,
de nome Az@Brx. Os interessados em receber este boletim por correio eletrónico apenas
têm de remeter um pedido para gabinetebruxelas@azores.gov.pt.
No entanto, a União Europeia é
muito mais do que as suas instituições. A União é um conjunto de países e
cidadãos que solidariamente fomentam a paz, dinamizam o entendimento e partilham
recursos. De certa forma, e felizmente, é já impossível relatar todos os atos
de solidariedade entre Estados na União Europeia consequentes ao vírus. Ao
escrever a frase anterior pingou no meu ecrã a notícia que a Dinamarca
acaba de informar que enviou um hospital (sim, um hospital inteiro) para a Itália.
Um entre muitos, mas muitos casos. Internamente, dentro de cada país, temos
registado atos de solidariedade que vão desde o apoio individual a idosos ou
pessoas fragilizadas até a cidadãos e empresas, em conjunto, dando somas muito
substanciais para a aquisição de ventiladores e outro material médico. Somos um
continente solidário. Ainda bem!
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