quarta-feira, 27 de maio de 2020

A União Europeia, a gestão da biodiversidade com base geográfica e os Açores

Anémonas na Ilha Graciosa, Mar dos Açores
Foto: F. Cardigos

Tudo começou com duas diretivas europeias (“Aves” e “Habitats”). Foram estas que implementaram o conceito de Rede Natura 2000 e impuseram uma alteração à gestão tradicional da biodiversidade em Portugal. Até ao final dos anos 80, havia umas espécies emblemáticas, como o lince, e uns espaços naturais indiscutíveis, como a Serra da Malcata, e pouco mais se comparado com o gigante potencial. 
Estas diretivas obrigaram a que se iniciasse um processo de inventariação, proteção e recuperação sistemático. Para além disso, e isso foi fundamental, proporcionou as verbas para o fazer. O programa LIFE financiou a Universidade dos Açores através de projetos que permitiram delinear as novas áreas classificadas. Foi um trabalho realizado por diversos departamentos universitários e que serviu de base para muita da ciência que ainda se faz no arquipélago. Entretanto, a universidade, a nível europeu, passou a financiar-se através dos programas relacionados com a ciência, como é hoje o programa Horizonte. 
O programa LIFE foi usado depois pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) e parceiros, essencialmente dirigido a aves e seus habitats (cagarro no Corvo e priolo em São Miguel, por exemplo). Mais recentemente, é utilizado em grandes projetos dirigidos pelo Governo dos Açores, mas que mantêm, entre outros, a SPEA como parceira. 
Ao referir o uso do programa LIFE pode dar a sensação que há um “bolo” de que os interessados se podem servir livremente. Nada mais errado. O “bolo”, de facto, existe, mas para lhe chegar é preciso passar por um processo competitivo agressivo. Apenas os melhores dos melhores projetos, com nível de excelência, conseguem ser financiados. Graças a muito empenho, estratégia e competência, os Açores têm tido sucesso ao longo dos anos. 
A Rede Natura 2000 a nível europeu tem uma importância económica fundamental. Estima-se que os benefícios desta rede de proteção gerem entre 200 e 300 mil milhões de euros por ano, apoiando 500 mil postos de trabalho adicionais. São números gigantes e que estão baseados na qualidade ambiental ainda existente. Aumente-se a qualidade ambiental e aumentam os números económicos. É esta parte da lógica subjacente ao Pacto Ecológico Europeu, um dos pilares para o desenvolvimento da União Europeia para os próximos anos. 
Na União Europeia defende-se a abordagem através da chamada gestão do “capital natural”. Com esta aproximação tenta-se identificar o valor do recurso e da diversidade, seja biológica ou outro aspeto natural (geológico, por exemplo), e determinar os limites de utilização ou de pressão. Assim, estabelecem-se estratégias de compatibilização dos investimentos, mesmo industriais, desde que isso não retire, ou, preferencialmente, mesmo que valorize, a natureza. É uma abordagem que é liderada na Comissão Europeia por um português que esteve há pouco tempo numa palestra em São Jorge, o Doutor Humberto Delgado Rosa. 
Claro que, poeticamente, gostaria que a proteção ambiental se desse apenas razões de abnegada contemplação e fascínio pelo mundo natural. Infelizmente, o mundo não funciona assim e exige o respeito pelos três pilares do desenvolvimento sustentável (ambiente, economia e sociedade). Apenas fazendo a importante ressalva de que sem ambiente não haverá economia nem sociedade e o contrário não acontece, parece-me que o Pacto Ecológico Europeu, acompanhado das suas recentíssimas estratégias para a biodiversidade e produção alimentar em 2030, é um documento ambicioso, exigente, mobilizador e com uma visão realista e exequível. 
Para Portugal será difícil, mas muito mais complicado será para países que não tiveram preocupações ambientais nas últimas décadas. Saibamos aproveitar este avanço para liderar!

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