Gruta do Carvão, Ponta Delgada, São Miguel, Açores
Foto: F Cardigos
Foto: F Cardigos
Frederico Cardigos é biólogo marinho especialista em gestão e conservação da natureza. Actualmente, é o coordenador do Gabinete dos Açores em Bruxelas. Mas já exerceu funções relacionadas com a gestão de áreas protegidas dos Açores de 2006 a 2013. Estão criados os parques naturais de ilha em todas as ilhas da Região. Esta foi uma boa opção?
Frederico Cardigos - Sim, sem dúvida. Foi uma opção pensada há muitos anos e durante algum tempo tendo em vista uma gestão harmoniosa e coerente de cada unidade territorial dos Açores. Ou seja, há uma estratégia regional que, depois, é plasmada nas diferentes ilhas de acordo com as suas características próprias.
Dando um exemplo. Há que preservar as espécies raras e endémicas dos Açores e esta é uma norma que consta da legislação regional. Por exemplo, a Veronica Dabneyi, uma planta que apenas existe no estado selvagem nas Flores e no Corvo, carece, obviamente, de acções de acompanhamento, protecção e restauração nessas ilhas. No entanto, não faz sentido serem direccionados esforços no habitat das restantes unidades territoriais. Portanto, terão de ser os parques naturais das Flores e do Corvo a estabelecer a estratégia local de preservação. Multipliquemos isto pelas dezenas de espécies raras e endémicas dos Açores e temos um enorme número de combinações de prioridades diferenciadas em cada ilha.
Estou, neste exemplo, apenas a referir-me à conservação das espécies. Na realidade, há também diversidade nos habitats, nas paisagens, na interpretação dessa diversidade e na conciliação de tudo isto com as ambições e sensibilidades de cada ilha. A maravilhosa diversidade natural dos Açores fica beneficiada com esta aproximação de unidade de ilha.
Dando um exemplo. Há que preservar as espécies raras e endémicas dos Açores e esta é uma norma que consta da legislação regional. Por exemplo, a Veronica Dabneyi, uma planta que apenas existe no estado selvagem nas Flores e no Corvo, carece, obviamente, de acções de acompanhamento, protecção e restauração nessas ilhas. No entanto, não faz sentido serem direccionados esforços no habitat das restantes unidades territoriais. Portanto, terão de ser os parques naturais das Flores e do Corvo a estabelecer a estratégia local de preservação. Multipliquemos isto pelas dezenas de espécies raras e endémicas dos Açores e temos um enorme número de combinações de prioridades diferenciadas em cada ilha.
Estou, neste exemplo, apenas a referir-me à conservação das espécies. Na realidade, há também diversidade nos habitats, nas paisagens, na interpretação dessa diversidade e na conciliação de tudo isto com as ambições e sensibilidades de cada ilha. A maravilhosa diversidade natural dos Açores fica beneficiada com esta aproximação de unidade de ilha.
Cada um dos parques naturais tem uma entidade própria para gerir o território orientada para a conservação da diversidade bem como para a utilização sustentável dos recursos naturais. Os resultados obtidos apoiam esta abordagem?
Apesar de não ter dados quantitativos, posso partilhar alguns factos qualitativos que rapidamente justificam a abordagem. Repare, por exemplo, que, neste momento, já há centros de interpretação ambiental em todas as ilhas e estes têm abordagens diferentes em cada uma. Por exemplo, o Centro de Interpretação da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico nada tem a ver com o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, no Faial. Aproveitaram-se as idiossincrasias de cada bem ambiental para contar a história natural e humanizada de cada ilha e, desta forma, aliciar os turistas a visitar cada espaço. Todos ganham.
Quantas vezes ouvimos alguém dizer que, durante as longas estadias no continente, se sentem desorientados por não verem o mar quotidianamente? Esse mar faz parte do nosso património natural e é essencial para o nosso bem-estar. Mas, mesmo numa aproximação mais prática. Lembro as sábias palavras de um velho pescador da ilha do Corvo, o Sr. David Câmara, que, quando entrevistado pela RTP/Açores e confrontado pela aparente contradição entre a falta de peixe e a abundância existente na reserva voluntária da ilha, disse, “ali não se toca, é para os nossos filhos e para mostrar a quem nos visita”. Um terceiro exemplo. Ao domingo de manhã, nos cafés de qualquer ilha dos Açores, vejo pessoas equipadas para ir fazer um qualquer trilho gerido pelo parque natural dessa ilha. Ou seja, tanto do ponto de vista espiritual, como de um ponto de vista prático ou desportivo, a natureza contribui para o nosso bem-estar e a gestão de proximidade dos espaços naturais feita pelos parques é essencial para garantir o seu bom usufruto.
Para que este bem-estar possa estar ao alcance da generalidade das pessoas é necessário cumprir dois objectivos: preparar os espaços para a sua visitação e sensibilizar a população do ponto de vista ambiental. Este espírito, de compreensão e estima baseado no conhecimento e no usufruto foi imbuído a muitos biólogos dos Açores por um mariense de boa memória. Hoje, o seu nome está perpetuado no espaço que acolhe a sede do Parque Natural de Santa Maria, o Centro de Interpretação Ambiental Dalberto Pombo.
Apesar de não ter dados quantitativos, posso partilhar alguns factos qualitativos que rapidamente justificam a abordagem. Repare, por exemplo, que, neste momento, já há centros de interpretação ambiental em todas as ilhas e estes têm abordagens diferentes em cada uma. Por exemplo, o Centro de Interpretação da Paisagem da Cultura da Vinha da Ilha do Pico nada tem a ver com o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, no Faial. Aproveitaram-se as idiossincrasias de cada bem ambiental para contar a história natural e humanizada de cada ilha e, desta forma, aliciar os turistas a visitar cada espaço. Todos ganham.
Quantas vezes ouvimos alguém dizer que, durante as longas estadias no continente, se sentem desorientados por não verem o mar quotidianamente? Esse mar faz parte do nosso património natural e é essencial para o nosso bem-estar. Mas, mesmo numa aproximação mais prática. Lembro as sábias palavras de um velho pescador da ilha do Corvo, o Sr. David Câmara, que, quando entrevistado pela RTP/Açores e confrontado pela aparente contradição entre a falta de peixe e a abundância existente na reserva voluntária da ilha, disse, “ali não se toca, é para os nossos filhos e para mostrar a quem nos visita”. Um terceiro exemplo. Ao domingo de manhã, nos cafés de qualquer ilha dos Açores, vejo pessoas equipadas para ir fazer um qualquer trilho gerido pelo parque natural dessa ilha. Ou seja, tanto do ponto de vista espiritual, como de um ponto de vista prático ou desportivo, a natureza contribui para o nosso bem-estar e a gestão de proximidade dos espaços naturais feita pelos parques é essencial para garantir o seu bom usufruto.
Para que este bem-estar possa estar ao alcance da generalidade das pessoas é necessário cumprir dois objectivos: preparar os espaços para a sua visitação e sensibilizar a população do ponto de vista ambiental. Este espírito, de compreensão e estima baseado no conhecimento e no usufruto foi imbuído a muitos biólogos dos Açores por um mariense de boa memória. Hoje, o seu nome está perpetuado no espaço que acolhe a sede do Parque Natural de Santa Maria, o Centro de Interpretação Ambiental Dalberto Pombo.
Defende que “os parques naturais têm de ser criados de forma lógica (baseados em boa ciência), dentro de uma estratégia alargada (componente política) e de forma participada (com as pessoas)”. Como envolver as populações na gestão dos parques naturais?
O envolvimento das pessoas faz-se a vários níveis. Para além das eleições, onde se decide qual o modelo de alto nível, há a participação formal e informal. De acordo com a legislação, a participação formal é feita nos conselhos de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e nos conselhos dos parques naturais.
A nível informal, a participação faz-se através das organizações não governamentais para o ambiente e pelo envolvimento pessoal nas acções ambientais mais ou menos estruturadas. Ou seja, uma simples acção de limpeza da orla costeira ajuda a gerir o Parque Natural e essa é uma actividade em que se vê, recorrentemente, o envolvimento de jovens e menos jovens.
No entanto, quando escrevi o que refere na sua pergunta, estava a pensar numa segunda componente, importante na minha opinião. Essa segunda componente é a “admissibilidade”. Ou seja, a menos que haja uma razão prioritária, não se pode limitar a liberdade dos cidadãos. Mais uma vez exemplificando, quando se protegeram da extracção de recursos marinhos o complexo dos Ilhéus das Formigas e o Recife Dollabarat não foi questionado o cidadão comum se concordava ou não. O legislador de então considerou que a importância daquele local justificava uma abordagem top down (de cima para baixo). O mesmo aconteceu em relação às leivas, ao priolo e em muitos outros casos prioritários.
Idealmente, a estratégia utilizada deve ser bottom up (de baixo para cima). Ou seja, que sejam as pessoas, munidas da estratégia política e do conhecimento científico a decidir o que querem proteger e como querem proteger. É assim que nascem as reservas voluntárias, como foi o caso da Reserva Natural do Caneiro dos Meros, na ilha do Corvo, no final dos anos 90. No dia-a -dia, a gestão destes espaços é mais simples, porque ninguém tem de explicar a seja quem for o que se pode fazer ou não naquele local. Foi decidido por todos. É a “admissibilidade” máxima.
Na maioria das vezes, na realidade, são os governos, impulsionados pela necessidade de preservar ou gerir certos espaços ou espécies com atenção ambiental redobrada, que propõem as medidas, mas estas, sempre que possível, devem ser aceitáveis pela população. Para isso, há que incluir os espaços e os tempos de participação do público. Na génese dos parques naturais dos Açores houve um período de consulta pública formal dos diplomas em que os interessados foram convidados e puderam expressar-se.
O processo de criação, classificação e implementação dos parques naturais é moroso e complexo. Quando, finalmente, está concluído rapidamente se identificam debilidades que resultam, eventualmente, do processo não ser perfeito e, mais normalmente, por a realidade se ter alterada. No entanto, para que descubram essas incoerências é absolutamente necessário que as comunidades se envolvam.
O envolvimento das pessoas faz-se a vários níveis. Para além das eleições, onde se decide qual o modelo de alto nível, há a participação formal e informal. De acordo com a legislação, a participação formal é feita nos conselhos de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e nos conselhos dos parques naturais.
A nível informal, a participação faz-se através das organizações não governamentais para o ambiente e pelo envolvimento pessoal nas acções ambientais mais ou menos estruturadas. Ou seja, uma simples acção de limpeza da orla costeira ajuda a gerir o Parque Natural e essa é uma actividade em que se vê, recorrentemente, o envolvimento de jovens e menos jovens.
No entanto, quando escrevi o que refere na sua pergunta, estava a pensar numa segunda componente, importante na minha opinião. Essa segunda componente é a “admissibilidade”. Ou seja, a menos que haja uma razão prioritária, não se pode limitar a liberdade dos cidadãos. Mais uma vez exemplificando, quando se protegeram da extracção de recursos marinhos o complexo dos Ilhéus das Formigas e o Recife Dollabarat não foi questionado o cidadão comum se concordava ou não. O legislador de então considerou que a importância daquele local justificava uma abordagem top down (de cima para baixo). O mesmo aconteceu em relação às leivas, ao priolo e em muitos outros casos prioritários.
Idealmente, a estratégia utilizada deve ser bottom up (de baixo para cima). Ou seja, que sejam as pessoas, munidas da estratégia política e do conhecimento científico a decidir o que querem proteger e como querem proteger. É assim que nascem as reservas voluntárias, como foi o caso da Reserva Natural do Caneiro dos Meros, na ilha do Corvo, no final dos anos 90. No dia-a -dia, a gestão destes espaços é mais simples, porque ninguém tem de explicar a seja quem for o que se pode fazer ou não naquele local. Foi decidido por todos. É a “admissibilidade” máxima.
Na maioria das vezes, na realidade, são os governos, impulsionados pela necessidade de preservar ou gerir certos espaços ou espécies com atenção ambiental redobrada, que propõem as medidas, mas estas, sempre que possível, devem ser aceitáveis pela população. Para isso, há que incluir os espaços e os tempos de participação do público. Na génese dos parques naturais dos Açores houve um período de consulta pública formal dos diplomas em que os interessados foram convidados e puderam expressar-se.
O processo de criação, classificação e implementação dos parques naturais é moroso e complexo. Quando, finalmente, está concluído rapidamente se identificam debilidades que resultam, eventualmente, do processo não ser perfeito e, mais normalmente, por a realidade se ter alterada. No entanto, para que descubram essas incoerências é absolutamente necessário que as comunidades se envolvam.
Não fosse a pandemia e, por exemplo, no Parque Natural de São Miguel, temia-se que este Verão o turismo começasse a pôr em causa algumas reservas naturais, como a da Lagoa do Fogo. Como olha para o impacto de um futuro crescimento do turismo nos Parques Naturais?
Gerir não é apenas lidar com a normalidade. Muitas vezes, a verdadeira arte de gerir é exigida quando há novos desafios. O balanço entre a capacidade de carga ambiental e a ambição económica é um dos desafios do gestor ambiental por excelência. Não é que seja fácil encontrar o meio-termo entre aquilo que o ambiente pode suster e o benefício financeiro. Houve e haverá períodos com gestão complicada, mas encontrar o equilíbrio certo, definir o melhor método para explicar, implementar a capacidade de carga e persuadir as pessoas a respeitar é um conjunto complexo de procedimentos, mas aliciante. Exige muita interacção com cientistas, com os utilizadores e imaginação. Posto tudo isto, por vezes não resulta.
Lembro-me, a esse título, da dificuldade que foi impor um limite máximo de visitantes no Ilhéu de Vila Franca. No entanto, passados alguns anos, parece-me agora ser um tema razoavelmente consensual.
Seja por acção directa ou através de métodos indirectos, há bens ambientais que terão de ter limites de carga definidos e implementados. A acção directa é definir quantas pessoas podem visitar um local e contar até ao limite máximo antes de fechar o acesso. Os métodos indirectos socorrem-se de estratégias secundárias. Por exemplo, podemos definir que o acesso a uma determinada área apenas se faz através de um autocarro e, por acaso, esse autocarro apenas tem capacidade para 20 pessoas por hora. Nalguns museus, essa cadência é estabelecida por torniquetes que apenas deixam entrar um novo visitante depois do anterior ter saído. (...)
Não defendo qualquer metodologia em particular para os espaços dos Açores. Penso que deve haver uma reflexão e estabelecidas as estratégias mais adequadas e ter em atenção e estas poderão não ser consensuais. Faz parte. Aquilo que é indesmentível é que os grandes monumentos da Europa que não têm acesso limitado se tornaram espaços selváticos. Lembro-me, por exemplo, do Monte de Saint Michel, no norte de França, que é um monumento brilhante, mas em que as pessoas se acotovelam para poder passar em muitas das suas artérias. Não é simpático e, quanto a mim, não é turismo de qualidade.
Gerir não é apenas lidar com a normalidade. Muitas vezes, a verdadeira arte de gerir é exigida quando há novos desafios. O balanço entre a capacidade de carga ambiental e a ambição económica é um dos desafios do gestor ambiental por excelência. Não é que seja fácil encontrar o meio-termo entre aquilo que o ambiente pode suster e o benefício financeiro. Houve e haverá períodos com gestão complicada, mas encontrar o equilíbrio certo, definir o melhor método para explicar, implementar a capacidade de carga e persuadir as pessoas a respeitar é um conjunto complexo de procedimentos, mas aliciante. Exige muita interacção com cientistas, com os utilizadores e imaginação. Posto tudo isto, por vezes não resulta.
Lembro-me, a esse título, da dificuldade que foi impor um limite máximo de visitantes no Ilhéu de Vila Franca. No entanto, passados alguns anos, parece-me agora ser um tema razoavelmente consensual.
Seja por acção directa ou através de métodos indirectos, há bens ambientais que terão de ter limites de carga definidos e implementados. A acção directa é definir quantas pessoas podem visitar um local e contar até ao limite máximo antes de fechar o acesso. Os métodos indirectos socorrem-se de estratégias secundárias. Por exemplo, podemos definir que o acesso a uma determinada área apenas se faz através de um autocarro e, por acaso, esse autocarro apenas tem capacidade para 20 pessoas por hora. Nalguns museus, essa cadência é estabelecida por torniquetes que apenas deixam entrar um novo visitante depois do anterior ter saído. (...)
Não defendo qualquer metodologia em particular para os espaços dos Açores. Penso que deve haver uma reflexão e estabelecidas as estratégias mais adequadas e ter em atenção e estas poderão não ser consensuais. Faz parte. Aquilo que é indesmentível é que os grandes monumentos da Europa que não têm acesso limitado se tornaram espaços selváticos. Lembro-me, por exemplo, do Monte de Saint Michel, no norte de França, que é um monumento brilhante, mas em que as pessoas se acotovelam para poder passar em muitas das suas artérias. Não é simpático e, quanto a mim, não é turismo de qualidade.
Em sua opinião, qual a melhor forma de conhecer, em plenitude, um Parque Natural?
Essa é uma questão fascinante. Tentando fazer um estereótipo, o que é sempre redutor, considero que há quatro tipologias de aproximação, sendo que a maioria dos visitantes acaba por ter um pouco de tudo, embora com maior expressão numa tipologia que outra. Há uma tipologia mais básica que é a do visitante “paisagista”. Este visitante vai até ao miradouro mais conhecido de cada área protegida, olha, tira uma fotografia, partilha com os amigos e vai-se embora. A seguir há o “desportista” que gosta de andar ou correr pelos trilhos dos parques. Normalmente tem uma lista de trilhos que pretende fazer e tenta percorrer o máximo possível. Os mais avançados “desportistas” inscrevem-se, participam e terminam os TrailRun. O mesmo é aplicável para a componente submarina, mas aí visitam-se sítios de mergulho. Depois, há a tipologia do “conhecedor” que sabe o nome das plantas, dos animais, das suas principais características, gosta de se embrenhar pela natureza e tem um caderno onde aponta as suas observações. Por último, temos o “social” que gosta mais de conhecer o agricultor, o pescador, gosta de ir até a uma adega quando visita o Pico ou falar com os cientistas que estudam a Pedra que Pica em Santa Maria. O “social” gosta de ver a paisagem na Lagoa de Santo Cristo, em São Jorge, mas não abdicará de comer as ameijoas, desde que tenham sido legalmente apanhadas.
Tendo o atrás em conta, por exemplo, quem queira visitar o Algar do Carvão, na ilha Terceira, não pode pensar que irá simplesmente olhar e obter o ângulo certo para tirar a necessária fotografia para as redes sociais. Ou seja, não é um turismo preparado para o “paisagista” ou para o “desportista”. Para se compreender aquele local tem de se utilizar tempo para percorrer o interior do vulcão, ouvir atentamente as explicações do guia e estar desperto para a complexidade das estalactites siliciosas. Portanto, é uma área preparada para receber “conhecedores” e “sociais”. Isto para dizer que há parques e, dentro dos parques, áreas melhor preparadas para um tipo de visitação que outros. Há que saber escolher e preparar, antecipadamente, para evitar contrariedades.
Essa é uma questão fascinante. Tentando fazer um estereótipo, o que é sempre redutor, considero que há quatro tipologias de aproximação, sendo que a maioria dos visitantes acaba por ter um pouco de tudo, embora com maior expressão numa tipologia que outra. Há uma tipologia mais básica que é a do visitante “paisagista”. Este visitante vai até ao miradouro mais conhecido de cada área protegida, olha, tira uma fotografia, partilha com os amigos e vai-se embora. A seguir há o “desportista” que gosta de andar ou correr pelos trilhos dos parques. Normalmente tem uma lista de trilhos que pretende fazer e tenta percorrer o máximo possível. Os mais avançados “desportistas” inscrevem-se, participam e terminam os TrailRun. O mesmo é aplicável para a componente submarina, mas aí visitam-se sítios de mergulho. Depois, há a tipologia do “conhecedor” que sabe o nome das plantas, dos animais, das suas principais características, gosta de se embrenhar pela natureza e tem um caderno onde aponta as suas observações. Por último, temos o “social” que gosta mais de conhecer o agricultor, o pescador, gosta de ir até a uma adega quando visita o Pico ou falar com os cientistas que estudam a Pedra que Pica em Santa Maria. O “social” gosta de ver a paisagem na Lagoa de Santo Cristo, em São Jorge, mas não abdicará de comer as ameijoas, desde que tenham sido legalmente apanhadas.
Tendo o atrás em conta, por exemplo, quem queira visitar o Algar do Carvão, na ilha Terceira, não pode pensar que irá simplesmente olhar e obter o ângulo certo para tirar a necessária fotografia para as redes sociais. Ou seja, não é um turismo preparado para o “paisagista” ou para o “desportista”. Para se compreender aquele local tem de se utilizar tempo para percorrer o interior do vulcão, ouvir atentamente as explicações do guia e estar desperto para a complexidade das estalactites siliciosas. Portanto, é uma área preparada para receber “conhecedores” e “sociais”. Isto para dizer que há parques e, dentro dos parques, áreas melhor preparadas para um tipo de visitação que outros. Há que saber escolher e preparar, antecipadamente, para evitar contrariedades.
Em Dia Europeu dos Parques Naturais, que mensagem gostaria de deixar?
Nos Açores, os espaços ambientais foram, ao longo do tempo, classificados de inúmeras formas pela sua qualidade patrimonial e pela adequação da gestão. Há parques naturais que são Reservas da Biosfera, contêm áreas Ramsar (por causa da importância das zonas húmidas) ou pertencem às Sete Maravilhas Naturais de Portugal. Todos os parques têm áreas classificadas pela Rede Natura 2000. Algumas das áreas balneares Bandeira Azul e Praias de Ouro estão nos parques naturais. No seu conjunto, a abordagem utilizada nos Açores está reconhecida pela Carta Europeia de Turismo Sustentável e com o nível de platina da QualityCoast.
Estes reconhecimentos resultam da elevada qualidade ambiental que se vive dentro destes espaços e que merecem a nossa visita e utilização sustentável. Um dos parques contém, em simultâneo, uma área classificada como Património da Humanidade, pertence às Sete Maravilhas Naturais de Portugal e inclui diversas áreas Rede Natura 2000 e Ramsar. Trata-se do Parque Natural do Pico onde, por acaso, na época certa do ano, se pode ver o maior animal jamais existente à face da Terra, a baleia-azul. Uma das maiores hidrópoles do mundo localiza-se em São Miguel, nas Furnas… São tantos os títulos que uma pessoa se perde…
Mas, por acaso, nem me parecem ser as razões essenciais para a visita...
As razões essenciais são poder arriscar a vida mergulhando com tubarões no Faial; beber vinho olhando para Sua Majestade a montanha do Pico junto a um misterioso maroiço; ficar esmagado pelo som dos cagarros nas noites de verão no Corvo; emocionar-se com as quedas de água na Lagoa da Ribeira do Ferreiro nas Flores; provar uma queijada “biosférica” na Graciosa; deslumbrar-se com as grandes lagoas de São Miguel; embrenhar-se na evolução geomorfológica da Ilha Terceira no Centro de Interpretação da Serra de Santa Bárbara; ou contar num jantar, em Vila do Porto, como foi nadar com jamantas na Ilha de Santa Maria. Estas, para mim, são razões principais para visitar os parques naturais.
Penso que é essencial que os açorianos que ainda não o fizeram, que partam à descoberta ou redescoberta do Parque Natural da sua ilha ou da ilha em frente. Quando o fizerem significa apenas que há outros sete parques naturais a serem visitados, a que se acrescenta o Parque Marinho dos Açores. Estes espaços, em conjunto com os seus centros de interpretação, particularmente se acompanhados pelos seus guias especializados, são locais fascinantes. Na Fábrica da Baleia do Faial podemos aprender a história daquela unidade industrial e deixar que os mais jovens se envolvam nas actividades que os gestores do espaço organizam regularmente. A visita à Fábrica da Baleia das Flores, encimando o Boqueirão, é uma caixinha de surpresas… Não posso contar muito, para não estragar a surpresa, mas deixo uma pista: São dois centros de interpretação! Em São Miguel, também inesperado para alguns, tem o Centro de Interpretação da Cultura do Ananás. E estas aventuras e emoções multiplicam-se pelas nove ilhas…
Hoje, neste momento em que ainda temos de restringir os nossos movimentos por causa da pandemia, é o tempo ideal para planear. Força!
Nos Açores, os espaços ambientais foram, ao longo do tempo, classificados de inúmeras formas pela sua qualidade patrimonial e pela adequação da gestão. Há parques naturais que são Reservas da Biosfera, contêm áreas Ramsar (por causa da importância das zonas húmidas) ou pertencem às Sete Maravilhas Naturais de Portugal. Todos os parques têm áreas classificadas pela Rede Natura 2000. Algumas das áreas balneares Bandeira Azul e Praias de Ouro estão nos parques naturais. No seu conjunto, a abordagem utilizada nos Açores está reconhecida pela Carta Europeia de Turismo Sustentável e com o nível de platina da QualityCoast.
Estes reconhecimentos resultam da elevada qualidade ambiental que se vive dentro destes espaços e que merecem a nossa visita e utilização sustentável. Um dos parques contém, em simultâneo, uma área classificada como Património da Humanidade, pertence às Sete Maravilhas Naturais de Portugal e inclui diversas áreas Rede Natura 2000 e Ramsar. Trata-se do Parque Natural do Pico onde, por acaso, na época certa do ano, se pode ver o maior animal jamais existente à face da Terra, a baleia-azul. Uma das maiores hidrópoles do mundo localiza-se em São Miguel, nas Furnas… São tantos os títulos que uma pessoa se perde…
Mas, por acaso, nem me parecem ser as razões essenciais para a visita...
As razões essenciais são poder arriscar a vida mergulhando com tubarões no Faial; beber vinho olhando para Sua Majestade a montanha do Pico junto a um misterioso maroiço; ficar esmagado pelo som dos cagarros nas noites de verão no Corvo; emocionar-se com as quedas de água na Lagoa da Ribeira do Ferreiro nas Flores; provar uma queijada “biosférica” na Graciosa; deslumbrar-se com as grandes lagoas de São Miguel; embrenhar-se na evolução geomorfológica da Ilha Terceira no Centro de Interpretação da Serra de Santa Bárbara; ou contar num jantar, em Vila do Porto, como foi nadar com jamantas na Ilha de Santa Maria. Estas, para mim, são razões principais para visitar os parques naturais.
Penso que é essencial que os açorianos que ainda não o fizeram, que partam à descoberta ou redescoberta do Parque Natural da sua ilha ou da ilha em frente. Quando o fizerem significa apenas que há outros sete parques naturais a serem visitados, a que se acrescenta o Parque Marinho dos Açores. Estes espaços, em conjunto com os seus centros de interpretação, particularmente se acompanhados pelos seus guias especializados, são locais fascinantes. Na Fábrica da Baleia do Faial podemos aprender a história daquela unidade industrial e deixar que os mais jovens se envolvam nas actividades que os gestores do espaço organizam regularmente. A visita à Fábrica da Baleia das Flores, encimando o Boqueirão, é uma caixinha de surpresas… Não posso contar muito, para não estragar a surpresa, mas deixo uma pista: São dois centros de interpretação! Em São Miguel, também inesperado para alguns, tem o Centro de Interpretação da Cultura do Ananás. E estas aventuras e emoções multiplicam-se pelas nove ilhas…
Hoje, neste momento em que ainda temos de restringir os nossos movimentos por causa da pandemia, é o tempo ideal para planear. Força!
Assinalou-se, na sexta-feira, o Dia Mundial da Diversidade Biológica. Tem-se feito tudo o que é possível fazer na defesa da biodiversidade contra a flora invasora?
Não há recursos infinitos. Caso houvesse poder-se-ia ter uma abordagem mais violenta, mas, eventualmente, com danos colaterais. A postura que tem sido seguida pelas autoridades nas zonas terrestres inclui a remoção de flora invasora em pequenas áreas circunscritas e que permita o regresso da flora natural. Caso fosse uma acção mais acelerada, exporia o solo e não permitiria o regresso da flora natural. Ou seja, remover invasoras sim, sempre, mas com cuidado para “não se morrer da cura”.
Esta menção leva-me a outro ponto essencial da missão dos parques naturais. Esse ponto é a colaboração com as entidades privadas. Muitos dos bens ambientais classificados são privados e, portanto, há que sensibilizar os proprietários para o potencial que têm entre mãos e estimular o bom uso, que preserve a biodiversidade que gerem e que não os limite demasiado nas estratégias de usufruto. Nesta situação estão diversos parques e hotéis dos Açores e, parece-me, com excelentes resultados. Não devo mencionar casos específicos porque estou a ser injusto para os restantes, mas, apenas para estimular a imaginação e sem referir o nome comercial, reparem-se nos bons exemplos existentes nas Furnas, em São Miguel, e na Fajãzinha, na Ilha das Flores.
Os privados, sejam proprietários, agricultores, pescadores, guias turísticos são os primeiros guardiões da natureza. Aliar o seu conhecimento e o seu interesse a outros actores essenciais, como os vigilantes da natureza e as autoridades de fiscalização, é uma das ferramentas de gestão ao alcance dos parques naturais em qualquer parte do planeta.
Não há recursos infinitos. Caso houvesse poder-se-ia ter uma abordagem mais violenta, mas, eventualmente, com danos colaterais. A postura que tem sido seguida pelas autoridades nas zonas terrestres inclui a remoção de flora invasora em pequenas áreas circunscritas e que permita o regresso da flora natural. Caso fosse uma acção mais acelerada, exporia o solo e não permitiria o regresso da flora natural. Ou seja, remover invasoras sim, sempre, mas com cuidado para “não se morrer da cura”.
Esta menção leva-me a outro ponto essencial da missão dos parques naturais. Esse ponto é a colaboração com as entidades privadas. Muitos dos bens ambientais classificados são privados e, portanto, há que sensibilizar os proprietários para o potencial que têm entre mãos e estimular o bom uso, que preserve a biodiversidade que gerem e que não os limite demasiado nas estratégias de usufruto. Nesta situação estão diversos parques e hotéis dos Açores e, parece-me, com excelentes resultados. Não devo mencionar casos específicos porque estou a ser injusto para os restantes, mas, apenas para estimular a imaginação e sem referir o nome comercial, reparem-se nos bons exemplos existentes nas Furnas, em São Miguel, e na Fajãzinha, na Ilha das Flores.
Os privados, sejam proprietários, agricultores, pescadores, guias turísticos são os primeiros guardiões da natureza. Aliar o seu conhecimento e o seu interesse a outros actores essenciais, como os vigilantes da natureza e as autoridades de fiscalização, é uma das ferramentas de gestão ao alcance dos parques naturais em qualquer parte do planeta.
O Governo dos Açores aprovou um diploma que classifica o Sítio de Importância Comunitária ‘Serra da Tronqueira/ Planalto dos Graminhais’ como Zona Especial de Conservação (ZEC) da Rede Natura 2000, distribuídos pelo Nordeste, Povoação e Ribeira Grande. Para si, qual a importância desta classificação?
Vou partilhar uma das minhas emoções num Parque Natural dos Açores. Felizmente, tenho muitas e boas! Há, talvez, uns doze anos atrás, fui incumbido de mostrar um priolo a um alto responsável ambiental. Uns dias antes do combinado, falei com a directora do que viria a ser o Parque Natural de São Miguel e com vários técnicos da SPEA para se preparar convenientemente a visita à Serra da Tronqueira. Admito que estava com algum nervosismo porque, nesse momento, ainda se contavam pelos dedos das minhas mãos os priolos que eu próprio tinha visto. Das vezes que tinha ido ao Nordeste, em metade não havia vislumbrado qualquer priolo... Pedi aos técnicos da SPEA para, por favor, terem umas fotografias à mão para, no caso de não vermos qualquer ave, pelo menos teríamos umas imagens…
Chegados lá, eu nem queria acreditar… Fiquei com aquela sensação de garganta presa de emoção… Havia um bando de priolos a receber-nos! Eram tantos!
O que se tinha passado é que os diferentes projectos com financiamento LIFE, implementados pela SPEA em conjunto com o Governo e câmaras municipais do Nordeste e da Povoação, tinham feito catapultar a população desta pequena ave exclusiva da Ilha de São Miguel nos meses anteriores à nossa visita. Fabuloso!
Esta é uma das muitas coisas que se pode descobrir quando nos atrevemos a ir à procura. Os parques naturais dos Açores, mesmo em terra, são um mar de emoções!
Centrando-me na sua pergunta. Esta classificação corresponde a uma necessidade consequente à classificação enquanto área pertencente à Rede Natura 2000, mas, em simultâneo, eleva o compromisso e a responsabilidade na gestão daquele espaço. Claro que a classificação como ZEC pode também ser vista como uma oportunidade para dar visibilidade às preocupações ambientais e isso pode ter retornos financeiros, visto que alguns visitantes com elevado poder económico valorizam esta postura.
Vou partilhar uma das minhas emoções num Parque Natural dos Açores. Felizmente, tenho muitas e boas! Há, talvez, uns doze anos atrás, fui incumbido de mostrar um priolo a um alto responsável ambiental. Uns dias antes do combinado, falei com a directora do que viria a ser o Parque Natural de São Miguel e com vários técnicos da SPEA para se preparar convenientemente a visita à Serra da Tronqueira. Admito que estava com algum nervosismo porque, nesse momento, ainda se contavam pelos dedos das minhas mãos os priolos que eu próprio tinha visto. Das vezes que tinha ido ao Nordeste, em metade não havia vislumbrado qualquer priolo... Pedi aos técnicos da SPEA para, por favor, terem umas fotografias à mão para, no caso de não vermos qualquer ave, pelo menos teríamos umas imagens…
Chegados lá, eu nem queria acreditar… Fiquei com aquela sensação de garganta presa de emoção… Havia um bando de priolos a receber-nos! Eram tantos!
O que se tinha passado é que os diferentes projectos com financiamento LIFE, implementados pela SPEA em conjunto com o Governo e câmaras municipais do Nordeste e da Povoação, tinham feito catapultar a população desta pequena ave exclusiva da Ilha de São Miguel nos meses anteriores à nossa visita. Fabuloso!
Esta é uma das muitas coisas que se pode descobrir quando nos atrevemos a ir à procura. Os parques naturais dos Açores, mesmo em terra, são um mar de emoções!
Centrando-me na sua pergunta. Esta classificação corresponde a uma necessidade consequente à classificação enquanto área pertencente à Rede Natura 2000, mas, em simultâneo, eleva o compromisso e a responsabilidade na gestão daquele espaço. Claro que a classificação como ZEC pode também ser vista como uma oportunidade para dar visibilidade às preocupações ambientais e isso pode ter retornos financeiros, visto que alguns visitantes com elevado poder económico valorizam esta postura.
Em Dia Europeu dos Parques Naturais, que recomendações faz a Comissão Europeia para a protecção do mundo natural?
Ainda há poucos dias, nesta última semana, a Comissão Europeia publicou a sua Estratégia para a biodiversidade em 2030. Entre outros pontos, elevou a fasquia de áreas protegidas, seja em terra seja no mar, para 30% do território da União Europeia. Esta é uma enorme ambição e que nos dá, agora, a responsabilidade de auxiliar os responsáveis pela sua implementação. De acordo com o referido publicamente, o Governo dos Açores comprometeu-se em 2019 com a classificação de 15% da área marinha e, com esta Comunicação, multiplicou-se por dois a meta que já era ambiciosa. Há tempo para o fazer, até porque Estratégia tem poucos dias e é para obter os resultados apenas em 2030.
Ainda há poucos dias, nesta última semana, a Comissão Europeia publicou a sua Estratégia para a biodiversidade em 2030. Entre outros pontos, elevou a fasquia de áreas protegidas, seja em terra seja no mar, para 30% do território da União Europeia. Esta é uma enorme ambição e que nos dá, agora, a responsabilidade de auxiliar os responsáveis pela sua implementação. De acordo com o referido publicamente, o Governo dos Açores comprometeu-se em 2019 com a classificação de 15% da área marinha e, com esta Comunicação, multiplicou-se por dois a meta que já era ambiciosa. Há tempo para o fazer, até porque Estratégia tem poucos dias e é para obter os resultados apenas em 2030.
Paisagem nas Furnas, São Miguel, Açores
Foto: F Cardigos
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