sexta-feira, 14 de agosto de 2020

Crónicas de Bruxelas - 76: O mal está sempre à espreita

 
Entrada do Campo de Concentração Nazi em Birkenau, Polónia.
Foto: F. Cardigos

Durante a segunda guerra mundial, a Alemanha nazi adaptou uma base militar polaca para acolher prisioneiros políticos desse país. Aí, os opositores e resistentes polacos seriam julgados e cumpririam a pena a que fossem condenados. A esmagadora maioria dos julgados morreram poucos minutos depois do início do julgamento.

Assim nascia o horrível campo de concentração de Auschwitz e, depois, nas redondezas, o ainda mais infame campo de Birkenau. Estes dois espaços são os exemplos mais conhecidos, mas houve dezenas de áreas similares por toda a Europa central no início dos anos 40.

Os dois antigos campos de concentração foram preservados para, tanto quanto possível, servir de memória. De certa forma, é como quem diz, “isto aconteceu mesmo e foi aqui!”.

Visitar estes espaços é o mesmo que viajar a um passado que queremos esquecer, mas que temos que recordar. Foi este o contexto da minha visita ao Museu Nacional Auschwitz-Birkenau.

Nos olhos pesados do guia que nos acompanhou, eu penso ter conseguido ver esta luta interior dos polacos. Querem esquecer que foram abusados de todas as formas pela Alemanha nazi, incluindo terem sido transformados no palco dos mais tristes crimes que a humanidade já conheceu, mas, ao mesmo tempo, são os guardiões desta memória. “Tenho de continuar…”, pareceu-me ler nos seus pensamentos.

A intolerância extrema, a cega sede de poder e o autoritarismo da Alemanha nazi dos anos 30 do século XX foi-se transformando, progressivamente, no mal absoluto que culminou na segunda guerra mundial e nas diferentes estratégias para exterminar diversos grupos de seres humanos, em particular o povo Judeu, o povo Cigano, os homossexuais, os portadores de deficiência e todos os que se lhes opunham. A ascensão de Hitler, apoiado na insatisfação de parte da população de então, tem um evidente paralelo no que vemos hoje na Europa.

Ao verificar como certos políticos dramatizam os palcos institucionais, incluindo a ameaça de utilizar os tribunais como extensões da sua cólera, é uma cópia bacoca, mas perigosa, da ascensão do império do mal. Se não fosse por outra razão, e há muitas outras, essa seria já suficiente para eu traçar uma rígida linha vermelha. Não irei por aí!

Para os mais esquecidos, lembro que estes dois campos do sul da Polónia não foram os últimos. A lição não serviu de emenda perene. Na realidade, na antiga Jugoslávia, enquanto o país se desmoronava no final do século XX, lá apareceram, novamente, os campos da infâmia, onde as pessoas foram aprisionadas e, em muitos casos, conduzidas à morte. Que mal fizeram? Nada. Culpadas de nada, mas mesmo assim vítimas. Revolta-me tanto…

Dizem-nos diversos intelectuais que, ao darmos atenção à emergência dos extremismos, estamos a dar-lhes o palco que necessitam para prosperar. Concordo que, para estes novos políticos de velhas ideias, muito mais importante do que ter razão é serem falados. No entanto, o relativo silêncio de nós todos, permitiu que chegassem onde já estão novamente.

Há que manter o olhar atento e compreender que aos pezinhos de lã que equipam os ditos nacionalistas se seguem as pisadas do que já vimos no passado. Culpam e estigmatizam uma etnia, no caso de Portugal os ciganos têm sido os principais visados, e aí vão “os meninos nazis” desfilando alegremente nas ruas da liberdade que lhes deram. Esticam os braços e, depois, perguntam inocentemente, “Eu?!”. Que ironia…

Há um caminho longo e não unívoco entre o que se verifica na Europa e as sombras do passado, é verdade. O que me preocupa, no entanto, não é a extensão e o percurso do caminho, mas sim ele existir.

Há que repetir, vezes sem conta, que não é admissível responsáveis eleitos hostilizarem grupos de pessoas com base no género, nas identidades de género, nas suas crenças, nas etnias ou nas tendências políticas. Há que repetir, vezes sem conta, que não é admissível que responsáveis eleitos mintam. Há que repetir, vezes sem conta, que a liberdade de expressão não pode ser colocada em perigo e que essa mesma liberdade não pode ser um veículo para o ódio ilegal. Há que garantir o direito à informação, à educação e decidir com base na melhor ciência. Proteja-se e promova-se a cultura e honre-se a diferença. Sei que não é nada fácil, mas respeitem-se estas linhas, incluindo no dia em que formos votar, e o “caminho” não poderá ser trilhado porque ele não subsistirá.

Acabei de sair de Auschwitz-Birkenau e uma profunda dor de cabeça invade-me e obriga-me a escrever estas linhas. Fica o alerta, que vem repetido e repetirei: o mal está à espreita.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário