Edifício Trebel - Wilfried Martens
Por Frederico
Cardigos
Foi no País Basco que primeiro suspeitei
que a energia de fonte geotérmica poderia ser ainda mais acessível do que se
pensa, mas deixem-me começar pelo início.
Quando faço viagens de carro
entre Bruxelas e Lisboa, normalmente em dezembro e janeiro, tenho por hábito
não marcar os sítios de pernoita antecipadamente. Prefiro ir conduzindo e,
quando sinto que está no momento de parar para descansar, procuro numa
aplicação de telemóvel bem conhecida qual é o hotel mais próximo e que me
parece ter condições mínimas. Desta forma, acabo por ficar em sítios aleatórios,
conhecendo novas e exóticas realidades. Foi desta forma que fui parar a uma
hospedaria que, pelas razões que perceberão no que se segue, não posso
identificar.
Estava então em pleno País Basco
espanhol quando o Zé Pestana me avisou que estava no momento de parar. Para
além de me apetecer descansar, razões de óbvia segurança rodoviária tornavam
premente essa decisão. Usando o método descrito atrás, parei a viatura e lá fui
eu procurar um sítio usando o telemóvel. Encontrado um local prometedor e
contactado o proprietário, iniciei um percurso sinuoso até à hospedaria.
Estava realmente no que se pode
chamar de País Basco profundo. Ao entrar na propriedade, compreendi que tinha tido
sorte. O dono era acolhedor e falador, o local asseado e a paisagem magnífica!
Palavra puxa palavra, o cansaço começava a tomar totalmente conta de mim quando
me tentei despedir. Na realidade, era o momento em que a verdadeira conversa iria começar
e eu não sabia.
Ao tentar despedir-me o
proprietário diz-me: “não se coíba de
usar o aquecedor”. Estava frio, mas fiquei surpreendido já que uma opção
nesse sentido seria dispendiosa para ele. Ia ripostar quando ele, adivinhando o
meu ar, me diz: “Eu não pago aquecimento.
A Terra dá-me.”. Explicou-me então que tinha uma instalação geotérmica
privada. “Muitas pessoas aqui têm”.
No entanto, adiantou que era ilegal. Não havia, naquele período, enquadramento
legal para que os particulares usassem recursos geotérmicos. Em plena época de preocupação
com as alterações climáticas pareceu-me pouco inteligente que o Estado
limitasse a utilização de energias limpas.
Mentalmente, como súmula daquela
conversa, acrescentei mais um local na União Europeia onde se usa a energia
geotérmica (os anteriores eram os Açores, Islândia e Itália) e guardei na
memória que talvez fosse possível usar energia geotérmica a nível particular em
mais sítios. Como sempre me tinha sido apresentada como uma impossibilidade,
nunca imaginei sequer que isso fosse possível. Hoje sei que não é assim. É
possível, com um investimento inicial elevado, ter água quente e aquecimento
gratuito!
Tudo se limita a identificar qual
a profundidade necessária para ir recolher o calor e, depois, investir. Mesmo
aqui em Bruxelas, onde não há aparente recurso geotérmico (não há vulcões,
fumarolas ou sequer tremores de terra…), usa-se energia geotérmica. O novo
edifício do Parlamento Europeu, Trebel - Wilfried Martens de seu nome, aquece e
arrefece usando energia geotérmica. Como o recurso é escasso, tiveram que
introduzir as 33 tubagens até a um máximo de 240 metros de profundidade, o que
representa um investimento avultado, sim, mas agora não pagam conta de ar
condicionado!
Hoje em dia usa-se energia
geotérmica na Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária, Croácia, Eslovénia, França,
Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Itália, Macedónia, Polónia, Portugal
(Açores) e Roménia, principalmente nas explorações agrícolas e nomeadamente em
estufas ou na produção vinícola.
Apenas para colorir um pouco,
refiro uma produção de vinho em que foram colocados 23 permutadores de calor
até um máximo de 100 metros de profundidade. Neste caso, o investimento ficará
pago em seis anos.
Os dogmas sobre a insegurança da geotermia
e os alegados becos sem saída tecnológicos vão caindo um a um. Pelo que estou a
ver por essa Europa, está no momento de aproveitar ainda melhor a geotermia e
fomentar o estudo e a investigação deste recurso e respetivas ferramentas
tecnológicas. Se nos Açores estamos a aproveitar bem a geotermia para produção
de energia elétrica em São Miguel e na Terceira, estamos atrasados no que ao seu
estudo diz respeito. Penso que há aqui uma nítida oportunidade para a
Universidade dos Açores que urge aproveitar. Na minha opinião, este é o passo
que falta para que o uso privado da geotermia se torne uma realidade no
arquipélago.
Referências:
Trebel -
Wilfried Martens building - Geothermal drilling in the heart of Europe: https://www.ffgb.be/en/projects/trebel-wilfried-martens-building
Geotermia e Agricultura: https://www.egec.org/media-publications/geothermal-use-agriculture/