Depois de ter estado numa enorme fila para um teste covid,
esperava os resultados olhando para as pessoas que, por sua vez, aguardavam
agora para ser atendidas. Detalho que estas pessoas que pretendiam ser testadas,
tal como eu antes, tinham estado à espera durante quatro horas em pé até este
momento.
Foi então que o rececionista do laboratório afirmou
perentoriamente, “São 16:30. Acabou. Já não recebemos mais ninguém hoje. Podem
voltar amanhã a partir das oito horas.” O desalento foi enorme, como poderão
imaginar… Depois de terem estado horas à espera, estas pessoas teriam,
simplesmente, de desistir.
Acontece que a primeira a pessoa a não ser atendida era uma
jovem nitidamente grávida. Pensei para mim próprio como era possível aquilo ter acontecido?!
Como era possível ter-se permitido que uma grávida tivesse estado quatro horas
à espera e, acima disso, como era possível agora, a ela e à criança que
transportava no ventre, negar-lhes o acesso a um teste que monitorizava,
precisamente, a saúde dos dois. As lágrimas escorriam-lhe pela face… Mas nem
isso nem os protestos indignados dos observadores demoveram o rececionista. Com
o olhar frio de quem dá ordens num campo de concentração, afirmou sem vacilar, “Estou
a cumprir a minha função. Se não gostam podem protestar junto do meu patrão. Não
podem esperar aqui. Amanhã às oito horas.”
O que acabo de descrever aconteceu, mas, obviamente, não
aconteceu em Portugal. Em Portugal jamais admitiríamos que uma pessoa grávida
aguardasse durante horas numa fila e jamais lhe seriam negados cuidados de
saúde acessíveis, em que circunstância fosse. Podendo ser prestado, este serviço
jamais seria negado a uma grávida, a uma criança, a um idoso ou a um cidadão
portador de deficiência. Não acontecia.
Dois dias antes, à noite, no bar do hotel onde me alojara,
um homem que não conheço mete conversa comigo e com um amigo. Na galhofa, chegámos
à conclusão que havíamos todos estudado ciências e a conversa diverge para os
percursos profissionais contrastados que fizemos partindo de uma base razoavelmente
parecida. A troca de impressões flui generosa e simpática, com piadas e risos.
A certo ponto, o nosso interlocutor diz “sei que os Genesis
estão a dar o último concerto da sua careira aqui na cidade. Querem ir?”.
Pergunto-me quanta sorte é preciso ter para que nos façam uma proposta deste
género?! Obviamente, quero ir, mas, infelizmente, não posso. “Como eles já
começaram, não são 220 dólares, mas sim 70.”, reforça o nosso novo amigo. Quase
estonteado, penso para mim próprio que me estão a oferecer a possibilidade de
ouvir um dos últimos concertos, senão o último concerto, de uma das bandas mega
conhecidas da minha geração e eu vou ter que dizer não. Tenho que declinar
porque, apesar de serem apenas cerca de 60 euros, continua a ser muito dinheiro,
e porque não estou neste país de férias, o que implica que, no dia seguinte,
terei de ir trabalhar pela manhã. Mas o que retenho é a simpatia desta pessoa
que não conheço de lado nenhum e nos oferece, a mim e ao meu amigo, a
possibilidade de o acompanhar numa noite que adivinho ter sido memorável.
Não contente em ter acabado de ter sido tremendamente
generoso e mal correspondido, o nosso interlocutor, para quebrar o gelo da
nossa recusa, ainda profere, “Sem preocupações, dudes. Eu gosto de ir a
estas coisas sozinho e tornar momentos de solidão em novas e inesperadas
amizades”.
As duas histórias que descrevi atrás aconteceram nos Estados
Unidos da América com poucos dias de intervalo. Há poucas culturas tão contrastadas
como a norte-americana. Neste país, sistematicamente, consegue-se encontrar o
melhor e o pior do mundo e da alma humana a três dedos de distância. Tanto
temos um super-herói a salvar a situação como temos um vilão a dar-nos pontapés
quando já estamos no chão. Num momento temos uma marcha pela paz e, em
paralelo, há uma manifestação a favor da liberdade de usar armas. Num momento
estão a descobrir novos planetas por essa Via Láctea fora e, no mesmíssimo
momento, estão a abandonar o Afeganistão desiludindo e condenando todos a quem
deram esperanças de liberdade e felicidade.
Claro que a pergunta que resta é qual o melhor… O nosso país
de brandos costumes, quantas vezes complacente com o inimaginável, ou um país
de nervos à flor da pele, como é a terra do Tio Sam? O melhor mesmo era um país
com o nosso bom senso e a nossa ponderação a que juntasse o magnífico otimismo
e a enorme proatividade dos Estados Unidos da América. Será que existe?